#18 — Performance de Homem Sábio, Educado e Respeitoso #sqn

Em que eu falo de homens que te desrespeitam e violentam com muita cortesia, conto um pouco da minha boa experiência com zettelkasten no obsidian, relato the pomba wars, mostro fotos de comidas preparadas por mim, comemoro a prisão do Bolsonaro, e falo pra vocês irem ler minhas recomendações de mafagafos.

AVISO. Talvez a edição de hoje seja cortada pelo gmail por conta das minhas fotos de comidas no final. Se for o caso, é só clicar lá em cima no Read Online para ser redirecionado para a página do behiiv.

Quando o youtuber e militante comunista Jones Manoel resolveu participar da programação do canal Spectrum num debate “1 comunista vs 20 liberais”, um monte de memes surgiu a partir dos cortes. Um que viralizou muito foi o do Jessé, um menino de 16 anos que é estagiário do deputado Tenente Coimbra na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

O debate era sobre o fim da escala 6×1 e Jessé queria argumentar que os microempreendedores individuais (MEIs) não dariam conta de pagar seus funcionários em uma escala 4×3 ou até mesmo 5×2. Jones perguntou se ele sabia quantos MEIs possúiam funcionários atualmente e Jessé não sabia, escusando seu não saber com a fala.

Até porque eu falo mais de realidade do que dados.

Jessé Kuchla, 16 anos, no programa Zona de Fogo no Canal Spectrum

No decorrer do debate Jones explica que para falar da realidade precisa ter dados, e Jessé tenta apelar para uma ideia de “números frios numa sala” não corresponderem a realidade viva das pessoas.

Ok, foi uma fala burra de um menino de 16 anos que nem deveria estar na internet (nessa idade, as vergonhas que passei não tinham como viralizar online). Mas o que me chamou atenção foi outro detalhe e outra fala. Um pouco antes de meter essa aí dos dados, ele disse:

Ao falar do fim da escala 6×1, eu vi muitos argumentos seus históricos. Até vi você puxar um pouco do pessoal ao usar algumas técnicas de retórica, técnicas de Schopenhauer, inclusive.

Jessé Kuchla, 16 anos, no programa Zona de Fogo no Canal Spectrumd

De novo, para adultos que já, de antemão, discordam do Jessé, essa fala parece burra. Não é como se um debate acerca da realidade fosse também uma luta do anime Naruto. “Ah, eu conheço essa técnica e então não vai funcionar em mim”.

Mas é uma fala que parece inteligente. Mostra que ele deve ter lido ou ouvido falar do livro “A Arte de Ter Razão”, do filósofo Arthur Schopenhauer. Tudo o que essa fala precisa para ser considerada inteligente é ser dita por um meninO branco num meio em que as pessoas já tem uma tendência a acreditarem nas conclusões que ele quer chegar (e gente de direita no Brasil é o que não falta). Neste programa mesmo, tiveram outros participantes (adultos) que levantaram a Bandeira Verde para Jessé — nas regras do Zona de Fogo, quem recebe o maior número de bandeiras verdes de outros participantes recebem mais 10 minutos de fala. (e sempre vale lembrar que ele conseguiu um estágio na ALESP aos 16 anos, o que não é pouca coisa).

Outra coisa que chama atenção no Jessé é a fala aparentemente polida e educada (exceto no final da vez dele). Isso lembra muito outra figura da internet, o Wilker Leão (que graças a Deus foi expulso da UnB). É só ver alguns segundos do vídeo dele se defendendo. Palavras polidas, educadas,

Esse jeito de falar costuma passar um ar de respeito e até sabedoria. Bom, eu sei quem lê essas coisas que eu escrevo e imagino que você não tenha pensado isso principalmente pelo conteúdo das falas de Jessé e Wilker Leão, que não é nada sábio e geralmente é usado para desrespeitar outras pessoas. Mas eles não são os únicos a fazerem isso. Ao longo da minha vida já vi um monte de homens fazerem isso, com falas que às vezes não são tão burras, mas são igualmente violentas.

Acho que hoje estou falando de…

Fundo preto, símbolo da letra grega psi em verde e a inscrição em branco "Psicologia"

Quando eu falei disso com um grupo de psicólogas, me falaram que isso é basicamente o que o Igor Kon defendia em sua psicologia social. Eu ainda não li nada do Kon, então não teremos citações. Mas vou falar do mesmo jeito.

Eu sempre fui considerado uma criança muito inteligente. Sendo autista e negro (links porque falei das duas coisas em outros textos passados), ser inteligente foi por muitos anos a única qualidade boa que me apeguei para ter algo de autoestima. Mesmo assim, nunca foi fácil para mim receber aplausos por ser inteligente.

Lembro-me de uma vez, quando tinha 7 anos, que eu conjuguei o verbo “rir” na 1º pessoa do singular dizendo “Eu rio quando ouço isso”. Gramaticalmente eu estava correto, mas todos os meus colegas começaram a me zoar porque eu estava falando errado. Afinal, rio é um curso d’água, não um verbo, né?

Outra ocorrência marcante aconteceu quando eu tinha 13 anos e andava com um pessoal do 1º ano do ensino médio no recreio (porque tinha amigos ali). Aí era semana de provas e apareceu outras pessoas da turma desses meus amigos comentando da prova de história, a matéria era feudalismo — eu já sabia essa matéria, já tinha estudado antes, ela não aparece pela primeira vez no 1º ano do ensino médio e eu gosto de história. Aí eu falei a resposta correta da pergunta que eles estavam discutindo e, antes de tentar conferir, uma garota lá do ensino médio perguntou: “e o que esse menininho aqui acha que tá falando?”.

A última foi quando eu tinha 17 anos. Estava num evento da igreja e um dos meninos do grupo inventou uma namorada falsa no facebook e, quando a situação começou a sair do controle, fui um dos que argumentaram que deveríamos conversar com esse menino. Fiquei de fora da conversa em si e quem foi lá dar a lição de moral foi outro que, mesmo sendo super cristão, estava ficando com umas três garotas ao mesmo tempo nesse mesmo evento da igreja. Eu lembro de na época ficar sem entender o porquê todo mundo dava tanta moral para esse cara.

Hoje eu entendo e tô aqui para falar o porquê: além de ser homem, ele tinha cabelo liso. Não chegava a ser branco (se fosse branco, tava mais autorizado ainda), mas ele tinha muitos traços brancos e pele bem mais clara que a minha (e a maioria dos meninos ali).

Enfim, esses meus insultos à minha própria inteligência nem são algo tão terrível se comparar o que minha esposa, mulher negra e autista também, já passou. Afinal, NADA do que ela falava era considerado digno de nota — mesmo que ela tenha falado, quase sempre, coisas extremamente inteligentes e certas.

(Pra mim minha esposa é superdotada não-diagnosticada)

A diferença entre Vanessa e eu lidando com inteligência e tendo a voz silenciada para outro (geralmente homem e branco) é que eu ainda consegui ser chamado de inteligente e ser validado. Acho que é porque, apesar de ser negro, eu sou homem.

Performance de Gênero

Ok, o título do texto hoje é Performance de Homem Sábio, Educado e Respeitoso. Então acho que preciso começar falando sobre o que é performance. Vou falar de um jeito que todo mundo entenda.

Primeiro a pergunta: o que é ser homem?

Há quem diga que é ser um “ser humano macho”, apontando para a anatomia e capacidades reprodutivas da espécie Homo sapiens. Se estamos falando de um ser humano que produz espermatozóides, não possui útero (e sim testículos), e não pode engravidar, estaríamos falando de um homem.

Isso não poderia estar mais errado. Nunca conheci ninguém que realmente acredita no parágrafo acima. Afinal, cresci ouvindo todo mundo dizer que homem de verdade não brinca de boneca ou coisas do tipo. Sempre fui desafiado a provar que sou homem, e as provas exigidas de mim não tinham a ver com mostrar que tenho testículos capazes de produzir esperma. Tinham a ver com fazer alguma coisa, desempenhar algum papel social — e quando eu digo papel social, imagine que a sociedade é um grande teatro e o papel é o roteiro lá do seu personagem. O que a sociedade espera é que você performe esse papel. Ser homem, para todo mundo, nada mais é do que uma performance.

Se você é homem de verdade, você vai gostar de ver pornô

Um colega meu do 6º ano quando tínhamos 11 anos de idade

Vai encarar ou é mulherzinha?

Desafio repetido por homens em muitas variações parecidas, mas igualmente misóginas

Tudo performance. É um fingimento tão fingido que as pessoas realmente começam a pensar que é verdade, mas é só parar um pouquinho para saber que é fingimento. Homens não são, homens performam.

E socialmente, homens trabalham muito para reproduzir essa performance. É uma coisa ensinada de pai para filho na marra. Os pais realmente se esforçam para que seus filhos que devem ser homens (baseado em “ele nasceu com um pênis e fui ensinado que esse aqui deve se tornar homem”), não apresentem comportamentos efeminados e não sejam emasculados.

E se não é o suficiente, começam a surgir até aulas de como ser homem. A gente tem aí o Legendários, aqueles masculinistas tipo o alfa spirit (meme insuperável) e um monte de pregações cristãs falando que a nossa geração precisa de homens valorosos que não se compram e não se vendem (o que significa isso? Homens que não trabalham?).

Ou seja: é tudo performance social. Se fosse puramente biológico, ninguém precisava se provar homem ou aprender a ser homem.

Momento 5ª série: ideologia de gênero é o pau no cú de quem tá reclamando disso. Nem existe, poxa!

Os homens sábios, educados e respeitosos

Entendendo que tudo isso é puríssima performance, atuação, interpretação de papéis (e é assim que nós, humanos, nos constituímos socialmente mesmo), a gente pode pensar criticamente sobre os papéis que desempenhamos. Porque assim, não tem NADA que determine inequivocadamente que eu deva desempenhar papel X e não Y. Todo mundo tem certa liberdade de escolher qual papel vai desempenhar — desde que tenha consciência dele (e sim, estou considerando que há pressões para você performar papel X ou Y, então essa liberdade de escolha é bem relativa).

Definindo o papel: esses homens vão falar bonito, dizer “por favor” e “obrigado”, e até mesmo suprimir seus sotaques regionais e gírias como se estivessem editando a própria fala na norma culta de escrita da língua portuguesa, atualizada com o Novo Acordo Ortográfico e tudo o mais. Tudo neles vai gritar: “me escute, eu sei o que estou falando, sei o que estou fazendo”. Como eles vão cumprir fielmente regras de etiqueta, não faz sentido acusá-los de qualquer violência, porque esses homens são tudo, menos truculentos (ou qualquer coisa ruim) /falo com ironia, mas para eles, é tudo genuínio.

O problema é que, junto com o grito estético de “eu sei o que estou falando e fazendo”, eles também gritam esteticamente que “sei mais do que você” (especialmente se você for mulher).

E aí começam uma série de violências com uma aparência educada.

Esses homens de fala mansa geralmente não te deixam falar. Se você tenta impor seu momento de fala, não é incomum que eles usem uma (ou várias) das seguintes estratégias

  • Até deixar você falar, mas depois ignorar completamente tudo o que você disse.

  • Chamar a atenção sobre como você é mal-educada, dramática ou escandalosa.

  • Te interromper o tempo todo até você se cansar de falar.

  • Fazer um monte de perguntas irritantes para te desestabilizar emocionalmente, te levar a se contradizer, e daí usar alguma (ou todas) das outras estratégias acima.

Outra coisa interessante é que os homens que performam esse personagem sábio, educado e respeitoso vão se agrupar pra fazer um gatekeeping. Eles vão começar a conversar um assunto que eles supostamente dominam, mas que ninguém mais tem algum conhecimento sobre. Às vezes parece que é até uma parada investigada previamente: “qual assunto a gente conhece e ninguém mais conhece?”. Uma vez descoberta, eles vão usar várias oportunidades de conversar sobre esse assunto. O importante é NUNCA tornar esse assunto acessível para quem não o domina.

Acho que é a parte principal da performance. É nesse momento em que eles armam um palco para performarem toda a sua sabedoria e cordialidade enquanto as outras devem apenas assistir e admirar. Lembra um pouco aquilo que fizeram comigo em relação a música, antes de eu aprender teoria musical. Mas geralmente mulheres vivem essa situação de serem deixadas de escanteio O TEMPO TODO.

Esboço da origem dessa performance

Não faço a menor ideia de quem seja o primeiro babaca a dizer isso, mas desde que me entendo por gente eu vejo essa fala ser propagada por aí: “homens são mais racionais e mulheres são mais emotivas”. (Questionável, geralmente são homens que começam a se bater porque o time de futebol pra quem eles torcem perdeu o jogo). Mas essa performance faz com que a babaquice de homens racionais ganhe algum respaldo.

Eu disse que performances de masculinidade são passados de pais para filhos no momento em que se nasce com uma anatomia que nossa cultura reconhece como a pertencente a um homem. Mas não é só uma coisa reforçada em contextos intrafamiliares, é algo que vai sendo construído em todos os âmbitos da socialização.

Imagine aí: você é um menino e vai para a escola ou brincar na rua. Lá você encontra outros meninos e eles vão formando grupos. Para participar dos grupos (o que significa poder conversar com eles, brincar com eles, ser ouvido e validado por eles), você precisa agir de uma determinada forma, ser conivente com certos hábitos. Tipo zoar as meninas por qualquer coisa. Os pais, professores (e professoras) e etc vão reforçando esses comportamentos, afinal, você é um dos meninos. É assim que as performances de masculinidade costumam se consolidar.

No caso dos sábios, educados e respeitosos, eu sempre vi ser um tipo mais fácil de se formar em meninos brancos. Brancos, de traços finos, cabelos lisos e olhos claros já tem a tendência de serem considerados muito bonitos, e por conta da imposição de uma certa feminilidade para mulheres (assunto para outro dia, mas segue pela mesma lógica), as meninas vão dar mais atenção para ele. Ele é digno de atenção, ele é tipo um príncipe das histórias. Daí esses meninos podem aproveitar a atenção das meninas para usá-las como troféu, ganhando mais respeito entre seus pares meninos (este é o caminho para se formar o famoso heterotop).

Entretanto os principezinhos brancos podem adotar uma postura mais principesca e não ser como os outros garotos, ser alguém que está acima deles (ainda vai receber respeito, admiração e vai ser invejado, só que por outra via). Daí eles resolvem serem mais inteligentes, educados e tudo o mais. Entretanto, o reforço vem pelo desejo de estar nesse lugar de príncipe encantado. Não tem aquele impulso de olhar para meninas e pensar que elas também são pessoas com suas próprias vontades.

Outra via envolve meninos que não conseguem ser príncipes porque não tem uma aparência tão branca assim. Então eles resolvem que vão ser legais, os caras legais — que merecem um texto exclusivo para eles, de tão porqueira que são. Tem os que só tentam ser engraçados, mas aí vem também os que querem ser inteligentes. Esses que querem ser inteligentes, também vão tentar adotar essa postura principesca. Afinal, sendo tão inteligentes, eles não podem ser homens tão trogloditas quanto os outros.

Enquanto todos esses meninos crescem e recebem muito reforço social para desempenharem este papel, a performance de homem sábio, educado e respeitoso começa a virar uma segunda natureza para eles. E voilá, a merda tá feita.

Homens sábios, respeitosos e educados de meia-tigela everywhere

Agora eles estão por toda parte.

Temos os mais conservadores que, em sua maioria, são cristãos. Daí vão ser pastores de igreja, coachs de relacionamento que ensinam maridos a serem maridos bons para as esposas (mas com aquele discurso de que mulheres precisam de alguém que as comande), políticos liberais e bolsonaristas (tipo a galera do MBL ou o próprio Jessé, citado no início do texto).

Temos os doutores que, na verdade, conquistaram muito sucesso acadêmico em suas respectivas áreas. E daí acham que são deuses do conhecimento, acima de meros mortais. Geralmente são professores universitários, que volta e meia acabam negando bolsas de pós-graduação para mulheres porque elas podem engravidar e “comprometer o avanço da ciência” ou alguma baboseira misógina dessas. Eles também desdenham da irracionalidade dos movimentos sociais, especialmente os movimentos feministas. Citam trocentos autores para embasar todas as suas atitudes misóginas e, quase sempre, roubam os créditos do trabalho de inúmeras mulheres que conseguem até serem mais habilidosas e inteligentes que eles.

Temos os esquerdomachos que, percebendo que estamos começando a falar contra esses fenômenos de opressão, acham que vão ser os salvadores da pátria. Acham que merecem elogios só por não reproduzirem misoginia e, com isso, acabam inevitavelmente sendo misóginos. Vão estar sempre dando lição de moral, pagando de aliados nas lutas feministas mas, no final do dia, só se importam com os outros homens.

Não é raro que os esquerdomachos sejam também doutores, mostrando-se os mais revolucionários dentre os revolucionários, as pessoas mais de esquerda existentes. E nesse virtuosismo de ficar citando autor morto a cada 5 frases, desdenham da humanidade de mulheres vivenciando suas lutas. Afinal, a vida não é organizada segundo as normas da ABNT, mas eles não conseguem levar a sério uma reclamação genuína de uma situação vivida. Você precisa relacionar isso com o pensamento de um europeu que morreu no mínimo 200 anos atrás para ter a chance de conversar com eles. Caso contrário, tem que ficar caladinha para receber a aula.

É só coisa de homem branco?

Isso seria algo muito simplista de dizer. Olha, eu ponho minha mão no fogo, aposto mesmo, tenho convicção baseada em minha experiência de vida de que os homens brancos é quem puxam essas performances de masculinidade.

Entretanto, na hora de performar, as coisas são mais complexas. Como homem negro eu não vou ser tão aceito em grupos sociais quanto homens brancos. Uma estratégia para que eu ganhe essa aceitação é encarnar a masculinidade e ser aceito como homem, daí eu vou me provando homem, mais homem que os outros homens. Eu diria que é mais difícil para homens negros conseguirem aceitação nisso de serem os sábios, educados e respeitosos, porque a expectativa social sobre nós é que sejamos grandes bolsas de testosterona, o negão fortão bruto e possivelmente violento. Aquele segurança que bota medo.

Mas é possível tentar e conseguir, mesmo sendo negro. E isso pode parecer uma grande conquista, daí esses homens negros vão se agarrar com força a essa performance.

Com homens transgênero acontece algo parecido. Na ânsia de serem reconhecidos como homens, começam a reproduzir tudo quanto é performance de masculinidade. É difícil de serem aceitos porque a identificação do papel masculino com a anatomia de quem tem pênis, testículos e produz espermatozóides é algo fortíssimo na nossa cultura. Temos até o termo castração (popularizado pela teoria psicanalítica) como sinônimo de neutralização de potência, porque dá aquela ideia de que “se você perdeu seus testículos, você perdeu sua masculinidade, perdeu seu poder, perdeu o que faz você ser você”. ENTRETANTO, é possível alguns homens trans tentarem tanto serem homens a ponto de se tornarem os sábios, educados e respeitosos de araque.

E enfim… Embora eu considere que a performance de sabedoria, educação e respeito (totalmente falso) seja mais presente como performance de masculinidade, ela também é uma performance de branquitude que aparece descolada de gênero. Mulheres também podem agir assim — embora, na prática, fiquem subordinadas a outros homens (geralmente seus maridos).

Entretanto, eu não consigo me lembrar de nenhuma mulher negra que performa isso. Todos os exemplos que me recordo são de mulheres brancas: Margaret Thatcher, Renata Barreto, Tábata Amaral, e outras que não vou citar nominalmente porque não são figuras públicas, e sim figuras que eu conheço de ter convivido mesmo.

Tô me identificando um pouco com toda essa descrição, mas não quero ser desse jeito

Ok, eu entendo. Quando tive na faculdade de psicologia a oportunidade de trabalhar com um projeto de extensão sobre enfrentamento a violência contra a mulher, eu tive o mesmo incômodo.

Primeiramente, não é sobre pedir desculpas por ser homem ou se sentir culpado por ser homem. Lembra que tudo é uma performance? Então, uma vez que a gente toma consciência dos papéis sociais que desempenhamos, podemos escolher não desempenhá-los. Nós não somos essencialmente esses papéis do jeito que eles foram impostos a nós. A parte mais difícil é reconhecer as merdas que a gente faz, daí decidir não continuar nem é tão difícil assim.

Bom, não adianta ser só reformador e querer construir uma masculinidade saudável. Ao me ajudar com um tópico no fórum do Coletivo de Psicologia Materialista Histórico-Dialética, a psicóloga Carla Miranda acabou me recomendando um texto muito interessante entitulado Por que falar em “Masculinidade Saudável” é como falar em “Câncer Saudável”. Embora eu tenha algumas críticas ao texto (principalmente pelo fato de o autor praticamente só considerar a experiência de homens cisgênero ao falar “pessoas com pênis”, o que parece um uso meio WTF do termo, já que vai excluir os homens trans e as mulheres trans da parada), é interessante pensar: e pra quê a gente precisa definir uma performance de masculinidade? Não podemos ser só quem nós somos?

Gênero é mais complexo que só essa dimensão da performance, eu sei. Mas, pelo menos falando por mim, tá tudo bem ser o Ícaro. Ainda sofro muitas pressões para ser homem, o que é um saco, porque algumas das coisas performáticas de homens são coisas até legaizinhas e que eu tenho alguma habilidade para fazer, mas outras não são legais ou não são coisas que eu possuo habilidade. Mas é legal ser só eu mesmo e poder ter pares que me reconhecem por quem eu sou. Por que eu deveria provar algo a alguém?

E enfim, nesse reconhecimento de quem eu sou, eu sei que não sou alguém que quer reproduzir opressões sociais.

Acho importante dizer que, adotando essa postura, a gente perde todo aquele reconhecimento social dos outros homens (e também de mulheres, viu? Porque essas opressões vão se espalhando pra além de suas fontes). Isso gera uma solidão que dói muito. Vai ser uma resistência, vai ser difícil, mas ao mesmo tempo é necessário prestar atenção numa coisa: não é tão difícil ser homem excluído por outros homens como é difícil ser mulher sofrendo misoginia. A gente escolhe uma postura que nos coloca contra os outros homens e sofre as consequências disso, mas uma mulher nem tem escolha. Ela sofre só por nascer.

Não é um elogio a martírio e auto-humilhação ou auto-apagamento. É só que… Essa solidão vai vir, mas não precisa continuar. É só olhar pra quem vai também se aliar para a mudança do mundo, pra quem se importa de verdade. Tem bastante gente.

Fundo preto, um sinal circular de setas verdes, e a inscrição Atualizações.

Minhas pazes com anotações. Meu amigo Ben entrou num grande hiperfoco de estudar sobre como estudar e aí descobriu o método zettelkasten aplicado ao programa obsidian. Esse método é sobre anotações, e o Ben o aprendeu a partir da leitura do livro How to take smart notes. Se quiserem saber do que se trata o método, dá para ver o vídeo linkado (e vídeos relacionados) ou ler o livro. O importante é saber que nenhum método de estudo deve ser seguido rigorosamente, a gente adapta a nossa realidade. Não tem regra infalível para fichamento, resumos e muito menos anotações. O importante é que, para mim, que sempre fui péssimo com anotações, conseguir fazer de um jeito funcional tá ótimo. Um dia desses lanço um texto com a experiência.

Fundo preto com bolinhas tendo títulos de notas (ex: Lei da Metamorfose do Desenvolvimeno Infantil) sendo ligadas. Print da visão em Gráfico do Obsidian.

Por enquanto minha rede de relações de anotações está assim, porque anotei pouca coisa enquanto estudo “Sete Aulas de L. S. Vigotski sobre os Fundamentos da Pedologia”. Mas entender a relação entre aquelas leis gerais e leis fundamentais do desenvolvimento da criança através desses desenhos de relação entre notas foi o que mais me empolgou em continuar.

The Pomba Wars. Quando nos mudamos para essa casa aqui em Uberaba, que é alugada, ficamos felizes ao perceber que no quintal do fundo tem um pé de limão e outro de jabuticaba. O que acontece é que os pombos da cidade fizeram ninho nesse pé de limão e, na missão de fazer limões brotarem para nossas limonadas diárias, Vanessa começou a desfazer os ninhos.

Inicialmente ela tinha deixado os ovos nascerem — e talvez tenha sido isso o erro tático nesta guerra, mas na época não sabíamos que estaríamos travando uma guerra. Os pombinhos nasceram, cresceram, e começaram a querer fazer seus próprios ninhos para botar seus próprios ovos. Até aí tudo bem, mas o problema é que uma pomba específica cismou que quer fazer ninho especificamente no pé de limão.

Já fazem algumas semanas que a rotina diária é Vanessa destruir o ninho de manhã e a pomba refazer o ninho a tarde. Pouco antes do falecimento da Pretinha, entretanto, a pomba perdeu a paciência e mostrou que essa história de pomba da paz é conversa pra boi dormir. Ela chamou a trupe e bombardeou o quintal da frente (que era pra ser uma garagem).

Quintal todo sujo de cocô de pomboo

Foi de propósito, pombos são animais muito espertos

Enquanto estávamos no auge do luto pela Pretinha, ela deu uma trégua na guerra. Mas a gente já parou de chorar todos os dias, então a pomba resolveu que era hora de voltar às atividades. Dessa vez, trocou de galho para tentar despistar. Mas a guerra pelo controle do pé de limão ainda está longe de acabar.

Bolsonaro Condenado! Foi condenado por bem menos crimes do que realmente cometeu, esse cara foi responsável por vivermos um tremendo pesadelo durante a pandemia. Acho bom eu ter me politizado mais nos últimos anos, mas não queria ter tido a politização na marra que é ver todo dia notícias absurdas da política brasileira perpetradas por este homem. Ainda tem muita coisa ruim no Brasil, mas essa condenação eu precisei comemorar! Que sirva de inibição para outras figuras patéticas desistirem de seguir o Bolsonaro. Lugar dele é na cadeia mesmo, e isso ainda é pouco.

Fotinhas de Comida. Vanessa acabou assumindo a cozinha do dia-a-dia aqui em Uberaba, mas os finais de semana eu volto ao meu lugar nessa casa que é na frente do fogão. O bom é que posso tentar pratos diferentes, já que o arroz-feijão-frango-salada de cada dia já é garantido por minha digníssima esposa.

forma de pães torrados com queixo e ervas.

No trabalho me apresentaram uma espécie de mini-pizza em fatias de pão de sal chamada “brusqueta” (e sim, o espírito 5ª série da Vanessa não perdoou). Fizeram o recheio com tomate, azeitona e queijo parmesão. Vanessa não gosta de azeitona, então resolvi adaptar colocando omelete, mussarela, orégano, páprica picante e salsa. Vanessa amou!

Foto de crepioca com folhas de coentro em cima.

Essa eu aprendi quando estava achando que tinha intolerância a lactose, mas adaptada para ter lactose, porque não tenho a intolerância (era giardíase). É a crepioca. Eu misturo 4 ovos, umas 4 colheres de farinha de tapioca, e coloco os temperos na massa (sal, lemon pepper, etc). Aí eu coloco metade da massa na frigideira pra assar como se fosse uma tortilha (ficou bonito porque pedi ajuda da Vanessa nisso, minha destreza é -1) e reservo. Faço o mesmo com a outra metade da massa, mas daí acrescento mussarela fatiada com orégano. Então coloco a primeira tortilha em cima para “fechar” a massa e pronto. As folhas de coentro aí em cima foram colhidas da horta da Vanessa.

Foto de panquecas de frango desfiado.

Dessa vez quis fazer as panquecas de frango. Meu irmão mais novo ama essas e quinta-feira (dia 11/09) minha mãe fez para ele lá em Teófilo Otoni. Me deu vontade de comer então pedi a receita, que é bem simples (na verdade, não fiz nenhuma receita realmente complexa ainda, a destreza -1 atrapalha meu desenvolvimento de habilidades culinárias).

Véi, malamo! Fomos dar uma explorada na cidade em uma avenida perto de onde moramos, a Av. Nossa Senhora do Desterro, a procura de uma loja focada em morangos. Achamos a loja, mas também achamos um sacolão que está com uma promoção neste final de semana vendendo cebolas por R$0,09 o kg. De primeira a gente achou que era um erro, mas daí a Vanessa resolveu investigar e…

O sacolão eu não lembro o nome, mas fica perto da Drogasil, da Zebu Carnes, tem uma padaria do lado, lembro é disso (caso alguém de Uberaba esteja lendo HOJE e queira pegar a promoção ativa).

E foi assim que compramos 3 Kg e alguma coisa de cebolas por 28 centavos!

Leituras do Ícaro. Normalmente posto as do goodreads, mas saiu uma série de resenhas minhas na VAL. Então deem uma passadinha lá para ler Minhas Mafagafos Favoritas Parte 1.

No mais, até semana que vem.

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