#3 — O verdadeiro quebra-cabeças

Explicando porque você não deve usar o símbolo de quebra-cabeças ou a ideia de anjo azul neste Abril da Conscientização acerca do TEA, contando sobre dificuldades que passei na vida (racismo), o fim da colônia Agora Vai, considerações sobre a série "Adolescência", e uma apresentação dos Lâminas do Caos (sim, isso é RPG).

Bom domingo, galera. Pois é, nas últimas semanas eu tenho enviado a newsletter na segunda-feira às 8h da manhã. Porém eu pensei: putz, eu escrevo pra caramba e talvez seja pesado ler logo numa segunda-feira. Então ok, tá aí, domingueira, fica melhor pra ler.

E mandei 16h da tarde porque o Behiiv indicou que é o horário que a maioria de vocês acaba lendo. Então vamos testar, né? Se não gostarem, mandem o feedback porque um feedback vivo ainda é melhor do que a estatística automatizada da plataforma.

Agora sem mais delongas, vamos falar de…

Ícaro, ponha a descrição da imagem

Em 2005 foi fundada uma associação nos EUA chamada Autism Speaks (algo como “autismo fala”, o que me faz pensar que esse nome é muito irônico dada a natureza desta associação) adotando como símbolo um quebra-cabeças azul. É por causa da Autism Speaks que o símbolo do quebra-cabeças foi tão difundido para simbolizar o Transtorno do Espectro Autista e também por isso que surgiram movimentos de mães de autistas chamando seus filhos de anjos azuis, elas mesmas se autodenominando “mães de anjos azuis” — pois é, é só porque o quebra-cabeças da Autism Speaks é azul (talvez porque graças aos nazistas Krammer e Asperger — este último confirmadamente nazista, o mundo encucou que autismo é uma condição exclusiva dos meninos, o que não é. A Sukhareva já tinha descrito a condição em meninas antes mesmo que os dois, isso lá na década de 1920).

Um quebra-cabeças azul com um degradê indo para cores mais quentes. Em baixo a inscrição em azul: "autism speaks"

Eles colocaram esse degradê no rebranding para tentar expressar alguma consideração pela neurodiversidade, mas não parecem ter mudado o teor da organização.

Qual é o problema da Autism Speaks? É uma organização que trabalha muito mais com uma ideia de cura para o autismo. Claro que à primeira vista isso pode parecer legal, porque o Transtorno do Espectro Autista é mesmo um transtorno. A questão é: qual é o sentido desse transtorno?

A coisa mais eugenista que você pode imaginar (e não se surpreenda se o senso comum concordar com o que estou prestes a dizer) é pensar que a parte “transtorno” do autismo é unicamente por conta de um problema do organismo da pessoa, provavelmente no cérebro. Realmente é muito chato ter as hipersensibilidades sensoriais e isso facilita para o desenvolvimento de outros transtornos que causam muito prejuízo, como deficiência intelectual, transtornos de ansiedade e depressão. Mas essas coisas podem ser resolvidas com adaptações no ambiente em que vivemos e, principalmente, mudanças na nossa cultura.

Por exemplo: nós, autistas, temos uma questão com a literalidade da comunicação. Não é que não tenhamos capacidade de imaginação (mesmo quem apresenta afantasia consegue desenvolver formas de pensamento que, no final, cumprem um papel correlato às “imagens mentais”) ou que não tenhamos nenhuma capacidade de compreender figuras de linguagem. Mas geralmente uma conversa com outras pessoas pode nos deixar tão sobrecarregados que, no final, a gente não consegue identificar logo de cara quando usam ironia. Também é muito cansativo tentar calcular qual é o subtexto daquilo que as pessoas estão falando. Um jeito fácil de resolver seria manter uma comunicação mais clara. Em vez de pressupor que as pessoas vão ler entrelinhas da sua fala, simplesmente exponha o que você está pensando. Se for irônico e perceber que a outra pessoa está confusa, só avise que usou ironia. Isso já resolve bastante a questão da comunicação e a interação começa a não ser uma dificuldade tão grande.

Introdução básica a indicadores de tom

Em conversas por mensagens de texto você pode utilizar esses indicadores para facilitar a comunicação do mesmo jeito.

/genuíno → você quis dizer exatamente o que quis dizer, sem segundas intenções

/ironia ou /sarcasmo → você foi irônico ou sarcástico

/piada → não leve a sério, é pra rir

/meia piada → é para rir, mas em parte pode levar a sério também

E outras coisas que você achar necessário para deixar a comunicação mais clara. Vou dar um exemplo.

“Então você vem me visitar na quinta, mas vai embora quando? /genuíno”

Minha pergunta “vai embora quando” pode até parecer que tem o subtexto “quero que você vá embora logo”, mas como eu utilizei o /genuíno, você sabe que eu só quero saber quanto tempo você vai passar na minha casa mesmo. Tá vendo como facilita a comunicação pra todo mundo? Não tem que ficar queimando neurônios pra escolher as palavras que vão amenizar uma possível suposição errada da parte da outra pessoa.

Mas a Autism Speaks não tem a intenção de dar voz às pessoas autistas. É muito mais sobre dar atenção ao incômodo de pessoas não-autistas ao terem de lidar com o autismo. Geralmente esse incômodo fica grande nas famílias, porque daí as pessoas sentem a obrigação moral de lidar com alguém autista. Não fosse isso, simplesmente lidariam da mesma forma que lidam com os autistas de fora da família: se afastam e ignoram.

Claro, ver um familiar sofrendo por alguma condição é muito angustiante. Eu não estou falando de uma preocupação genuína com o bem-estar do seu parente autista, mas de um incômodo pessoal com o fato de ele ser autista. Nós, psicólogos, vemos muito isso em algumas “mães de anjos azuis” (que inclui muitos pais homens também, mas você acha essa galera mais por esse nome aí, “mães de anjos azuis”), que se colocam como grandes mártires porque é difícil demais ter filhos autistas (a maioria dessas pessoas são bem endinheiradas e gostam de ostentar o dinheiro gasto com tratamentos muitas vezes ineficazes para inflar esta imagem de mártires). A realidade é que elas estão só muito frustradas por não terem filhos “normais” e isso fica muito claro quando esses filhos crescem e começam a expressar suas próprias ideias, que muitas vezes contradiz toda a história roteirizada que a família criou. O problema não é o autismo, é o filho ser diferente da idealização que seus pais tinham para ele. Aí eles acreditam merecerem uma certa compensação pelo esforço gasto por ainda criar a criança… Enfim, é uma situação muito triste e revoltante quando acontece.

E por que eu falei disso? Porque parece que é exatamente essa a questão da Autism Speaks e sua luta pela cura do autismo. A associação, criada por duas pessoas endinheiradas que tiveram um neto autista, parece muito benevolente, mas eles só querem erradicar a existência das pessoas autistas. Não querem acabar com nosso sofrimento, querem acabar com os traços e comportamentos que eles acham anormais. Daí a maior parte das pessoas autistas realmente odeia a Autism Speaks.

Sobre o quebra-cabeças: passa essa ideia de que existe uma peça faltando nos autistas para ele serem normais. O quebra-cabeças é, na verdade, o entendimento para se conseguir a cura do autismo (naqueles termos ruins e eugenistas que falei, porque a gente já sabe muito bem que políticas públicas de acessibilidade resolveriam a maioria esmagadora dos nossos problemas). Então não faz sentido pra gente.

Um símbolo de infinito com cores do arco-íris representando a neurodiversidade.

Este é o símbolo criado pela própria comunidade de autistas. O irônico é que, pesquisando na internet, parece que esse símbolo surgiu no mesmo ano que a fundação da Autism Speaks. Dá pra ver o quanto de voz essa associação dá para os autistas, né?

O símbolo do infinito arco-íris já passa a ideia de neurodiversidade: existem pessoas com funcionamentos neuronais diferentes e tá tudo bem. O Transtorno do Espectro Autista tem o nome “espectro” justamente porque existem inúmeras condições muito diferentes associadas ao autismo, não sendo uma coisa só. O nosso maior desafio não é descobrir como “consertar os cérebros”, e sim como integrar pessoas diferentes.

Sobre mim, quando ficar pronto meu CIP-TEA vou usar o cordão girassol, que serve para identificar mais facilmente deficiências invisíveis.

Agora vou falar do verdadeiro quebra-cabeças que enfrentei na minha vida. Ao contrário do que se passa na cabeça dessas organizações tipo a Autism Speaks, o diagnóstico do autismo me ajudou a resolver esse quebra-cabeças. Mas ele não foi a única peça.

Enfim, eu não tinha criado ainda uma categoria para falar coisas da minha vida, então estou criando agora mesmo a seção Blá-blá-blá. É, minha criatividade não funciona muito bem com nomes.

Fundo preto, balão de fala verde e a inscrição: "blá-blá-blá""

Na newsletter #1 eu falei de várias dificuldades da minha vida sendo autista sem diagnóstico. Deve ter ficado claro ali, mas a minha principal questão era me sentir excluído, ter dificuldade de fazer e manter amigos, e uma tristeza constante com motivos indefinidos. O que não dei muita ênfase também eram problemas recorrentes de autoestima.

Passei a minha infância e toda a minha adolescência me achando feio, por exemplo. E não levava a sério quando minha família (pais, avós, tios) falavam o contrário, que eu era bonito, porque achava que eles falavam aquilo por obrigação, para tentar fazer eu me sentir melhor. Acho que todo mundo quer ser bonito, não é? Parece algo legal, as pessoas vão querer ficar perto de você e etc. Então óbvio que naquela história de eu estar sempre triste, a autoestima importa!

Com exceção de uma única vez, que envolveu um menino da rua tentando me bater e recebendo um socão no meio da cara (minha única briga da vida, que nem chegou a ser uma luta de verdade), ninguém nunca me chamou de “macaco” ou algo do tipo. Por isso eu precisei fazer uns 20 anos de idade e estudar algumas coisas antes de perceber que sofri racismo — e que é, na verdade, impossível ser negro, amarelo ou indígena sem sofrer racismo na nossa sociedade.

Breves anedotas da infância e da adolescência.

Eu me acostumei desde criança a ser elogiado apenas como “muito inteligente” ou “gente boa”. Os outros elogios eram destinados aos meninos brancos, de cabelo liso (naquele corte de cuia que todos os meninos brancos de cabelo liso acabam odiando algum dia). Eu percebia a diferença e achava triste meu cabelo não ficar daquele jeito. Desde muito novo eu desejei ter um cabelo que você corta na tesoura, não na máquina (traduzindo para linguagem adulta: eu queria ter um cabelo liso, não crespo… e olha que meu cabelo é mais cacheado do que crespo, tecnicamente falando). Não demorou muito para falarem que meu cabelo era ruim, enquanto o cabelo liso era o bom… Eu nunca gostei disso e nunca consegui aceitar bem essas palavras para me referir a cabelo, acho que o motivo é óbvio.

Quando eu tinha 7 anos de idade e estava vivendo a vida na escola, uma menina da minha sala (branca) chegou para mim e disse: “você é muito feio”. Na época um outro coleguinha (também branco) achou aquilo um absurdo e respondeu: “Tá falando o quê? Nunca se olhou no espelho, não?”. Eu me lembro do colega que me defendeu, o nome dele era Ítalo. Acho muito improvável ele ler isso aqui, mas se por acaso ler, eu sou muito agradecido até hoje, cara. Mesmo assim… Foi um choque tremendo ter sido chamado de feio assim do nada.

Um bebê negro no berço sorrindo e com as mãos juntas.

Na real, eu era mó bonitinho, vai

Nessa fase entre os 8 e 12 anos, era muito comum meninas “gostarem” dos meninos e etc (sim, crianças não namoram, não devemos incentivar que elas namorem, mas toda brincadeira de criança acaba imitando adultos… Daí vai sim surgir alguma brincadeira que, em algum nível, simule essas relações românticas e a gente precisa ficar de olho). Onde eu vivia e naquela época o comum nesse caso era dar adesivos para a pessoa que você gosta, porque adesivos eram uma coisa especial por algum motivo que nunca decifrei — na minha cabeça é porque cadernos com cartela de adesivos eram mais caros. Eu nunca ganhei cartela de adesivos. Nem cartinha de amor/admiração. E depois que já chegaram na sua cara falando que você é feio, você liga os pontos, sabe? Talvez aquele insulto fosse a verdade, afinal de contas.

Acho que eu tinha 8 anos e era a segunda série, mas teve um trabalho de escola que consistia em fazer desenho em tamanho real de nós mesmos e levar para a escola. A maioria fez em cartolina, mas eu fiz com um papel que parecia papelão. Como o papel era marrom, já estava mais ou menos da cor da minha pele (pausa para notar que sempre achei muito WTF chamar o lápis rosa claro de lápis “cor-de-pele”. Só se for a pele da palma da minha mão, né?). O ponto focal é que meu pai que me ajudou com o desenho, porque ele e minha irmã são muito bons com desenho (e escultura, e qualquer coisa de artes visuais, na verdade). Daí ele desenhou meu rosto com meus traços, inclusive os lábios grossos. Quando apresentei o trabalho na turma, meus colegas riram muito dos lábios grossos porque associaram aquilo à eu estar supostamente usando batom.

Essa anedota do desenho vai exigir uma explicação desenhadinha: realmente, maquiagem como batom pode trazer essa impressão de lábios grossos em qualquer pessoa. E como batom é associado ao gênero das mulheres, os lábios grossos (de batom) quase sempre aparecem em desenhos representando mulheres. Mas os lábios grossos também são uma característica muito comum em pessoas negras, mais até que em pessoas brancas. Como o branco é o ser humano universal (segundo os brancos, que infelizmente dominaram o mundo há alguns séculos), o padrão, então não tinha lá muitas representações de homens com lábios grossos nos desenhos. Daí meus colegas não tiveram o raciocínio óbvio de: ah, esses lábios do desenho tão iguais aos lábios do Ícaro da vida real. Eles só chegaram à conclusão de que eu estava usando batom e isso seria engraçado porque indicaria a possibilidade de eu ser gay. É um efeito de racismo e homofobia combinados. Obviamente, foi horrível e eu fiquei morrendo de vergonha daquele desenho, me perguntando silenciosamente: “por que meu pai foi me desenhar desse jeito?” (a resposta correta é: meu pai desenha bem pra caramba).

Já com uns 14 ou 15 anos, minha turma tinha ido fazer um trabalho no turno da tarde (tínhamos aulas pela manhã). Como ficamos lá até o horário do fim das aulas do turno vespertino, aproveitei para pegar minha irmã mais nova na sala dela pra gente voltar pra casa juntos. Uma colega de classe, nos viu e perguntou: “Essa é sua irmã?”, e eu respondi que sim. Então ela comentou “nem parece”, e eu, inocente, expliquei: “é que ela se parece mais com a minha mãe, eu puxei mais o meu pai”. Daí a colega respondeu, por fim: “né por isso não, é porque ela é bonita e você é feio”.

Uma menina de pele clara, jaqueta jeans, e óculoss abraçada num homem negro, de óculos e terno preto com calça jeans, segurando um contrabaixo acústicoo.

Aqui está Iandra (minha irmã), eu e o contrabaixo do Sesc que eu usava na época da orquestra. Essa foto é de 2018 e Iandra ainda não tinha feito a transição capilar, hoje em dia ela tá com um cacheadão lindão… Bom, e eu ainda não tinha descoberto que meu cabelo é cacheado e que eu poderia deixá-lo crescer, minha vida ficou bem mais feliz depois que eu percebi isso. Putz, eu amo meu cabelo.

Voltando ao tópico cabelo, claro que a piada de “cabelos ao vento” também foi recorrente na minha vida. Caso não tenham entendido, é porque mesmo se batesse uma ventania meu cabelo não se mexeria porque ele é “duro e ruim”. Na verdade, meu cabelo é bem fino e leve, ele só não tinha tamanho o suficiente para o movimento ser perceptível quando batia o vento.

Essas são as coisas que eu mais lembro. Tudo isso que eu contei é racismo, mas eu não conseguia perceber enquanto racismo porque ninguém nunca me explicou nada sobre isso. Tudo o que eu entendia é que eu era feio mesmo e que tinha que dar um jeito de aguentar. Misture isso a tudo o que eu falei sobre ter vivido sendo autista sem saber e tcharaaam, por isso cheguei à fase adulta com muitos problemas.

Por isso eu disse que esse foi o verdadeiro quebra-cabeças: o que tem de errado comigo para tanta gente me tratar desse jeito? A primeira peça decisiva foi quando percebi que sofri racismo. É isso, eu sou negro. Para mim não há nada demais em ser negro. Eu poderia até ter pele verde, que diferença isso faz? É como eu sou, como eu nasci, não tem nada de estranho nisso. Mas para uma sociedade racista… Significa que eu sou “menos humano”.

Tá vendo? O problema não está no fato de eu ser negro. O problema está no fato de existir uma estrutura social e cultural que leva as pessoas a desumanizarem pessoas negras. O problema está no racismo. Não é culpa minha, mas me afeta. Não tem como ter saúde mental intacta sofrendo racismo 24 horas por dia, 7 dias da semana, do momento em que você nasce até o momento em que você vai morrer.

Quando entendi isso, muita coisa mudou. Eu comecei a perceber que nunca fui feio, na verdade. Minha família falava a verdade quando dizia que eu sou bonito. Acho que só faltou meu pai, minha avó, e meus tios se afirmarem mais como pessoas bonitas. Eu acho eles bonitos também, e se essa percepção fosse mais geral, eu saberia que me acho bonito mais facilmente: afinal, eu pareço demais com eles, não é? Todo mundo diz que sou a cara do meu pai.

Um homem negro com boné para trás e de sunga, semiajoelhado na areia da praia na beira do mar, fazendo uma pose para mostrar os bícepss e um menino negro de sunga também imitando a mesma pose.

Na verdade, eu sempre gostei de parecer com meu pai

Minha avó materna tinha muito orgulho do fato de eu nascer negro “igual a vovó”. Infelizmente, eu só fui perceber o que isso significava uns anos depois de ela falecer. Mas acho que, do jeito dela, a vovó também estava tentando me ajudar a enfrentar o mundo. Meu avô paterno, que ainda está vivo, disse que ela ficaria muito feliz porque eu me casei com uma pessoa que também é parecida com ela. Eu também fico muito feliz imaginando isso.

Mas acho que a principal mudança foi perceber que a culpa do racismo não é minha. Parei de ficar triste por ser negro e comecei a ficar com raiva do racismo, e isso é libertador. Porque é essa a reação certa: ficar com raiva. Raiva faz a gente querer mudar as coisas, parar de aceitar as coisas do jeito que são. E a saúde mental melhora muito depois que a gente para de valorizar opinião de racista. É importante saber quando as pessoas estão sendo muito babacas, é importante ter raiva delas, é importante afastá-las de nós sempre que possível.

Claro que a sociedade é racista, claro que as pessoas falam coisas racistas sem perceber que estão nos machucando, só porque é “normal”. Mas as pessoas que valem a pena nossa consideração aprendem aquilo que nos machucam e começam a se importar com isso também, mudam de atitude, repensam toda a formação cultural racista que receberam. De qualquer forma, cada um é responsável pelas próprias ações. Enquanto pessoas negras, não estamos aqui para dar aulas de ética e respeito. Estamos aqui enquanto pessoas, seres humanos, que não precisam fazer nada para merecerem o respeito dos outros.

A outra peça do quebra-cabeças é o capacitismo, que é a desumanização de pessoas com deficiência. Foi nesse sentido que o diagnóstico de autismo foi relevante para mim. Não vou mais ficar me culpando por ser autista, eu sou uma pessoa, um ser humano. Culpo a todas as pessoas que não me respeitarem enquanto pessoa.

Não é um papo vazio sobre respeitar as diferenças e celebrar a diversidade (sei que tem muita gente que fala disso com o significado correto, mas surgiram muitos papagaios que só repetem essas palavras para parecerem legais). Seres humanos são diversos, somos diferentes uns dos outros, e ponto. A questão é saber disso. Se você parar de pensar nos outros como menos humanos que você, vai saber que qualquer pessoa merece seu respeito. E se você souber disso, não vai reproduzir racismo, capacitismo ou qualquer outra opressão que nossa sociedade criou. Vai começar a agir de forma a destruir toda essa merda.

Existem leituras sobre questões raciais sim (e vou trazer em outras newsletters), mas ninguém precisa de estudo formal para isso. É só olhar ao redor e prestar atenção nas pessoas. É isso que faz a diferença para resolver qualquer quebra-cabeças /metafórico.

Fundo preto, um sinal circular de setas verdes, e a inscrição Atualizações.

Oxygen not Included. Infelizmente a colônia Agora Vai não foi. Eu me confundi todinho ao tentar melhorar o fornecimento de energia da colônia e o tempo de eletricidade bugada afetou todo o ciclo de produção de alimentos. Basicamente, eu não conseguia mais produzir alimentos no tempo necessário para prover a alimentação dos duplicantes (cada um consome 500 calorias por dia, em média). Então um a um foram morrendo de fome — inclusive aqueles que possuíam especializações específicas de trabalho, o que tornou a manutenção da colônia muito inviável.

Print do jogo Oxygen not Included em que vemos uma série de túmulos de duplicantes mortos.

Vários túmulos, infelizmente

No final sobrou apenas o Joshua, que trabalhava todos os dias apenas para gerar eletricidade manualmente para alimentar o gerador de oxigênio a base de algas. A produção de comida sem um fazendeiro era de apenas 500 calorias a cada dois dias, o que colocaria nosso amigo Joshua numa situação de comer apenas o suficiente para não morrer. Imprimir novos duplicantes seria sentenciá-los a morte, pois não tinha como resolver o problema da comida rapidamente. E o próprio Joshua morreria em alguns dias quando o suprimento de algas acabasse e não tivesse outro jeito de gerar oxigênio para a base.

Daí resolvi, com muito pesar, decretar o fim da colônia Agora Vai. Ela sobreviveu por 93 ciclos. Acho que o nome zicou, então vou pegar leve na próxima colônia. E definitivamente vou assistir mais tutoriais do Pesterenan antes de continuar.

Adolescência. Não vou falar tanto aqui porque acho que essa minissérie da Netflix merece uma newsletter inteira. Mas pois é, eu acabei assistindo os 4 episódios de “Adolescência” de uma vez só.

A minissérie é sobre um garoto de 13 anos na Inglaterra que matou uma colega de classe a facadas. É complexo dizer o porquê, mas envolve muito as comunidades online que esses adolescentes acabam fazendo parte. Tem questões de cyberbullying e comunidades misóginas (incel, redpill, etc), mas a parte que mais chama a atenção é: os adultos não tem a menor ideia do que está acontecendo. Pais, professores, e até mesmo os policiais investigando os casos não conseguiam entender.

Tem uma fala do pai do garoto homicida que sintetiza bastante o conflito da minissérie. Ele diz que pensava que o filho estava seguro, já que estava sempre dentro de casa. Não fazia ideia de que a internet o colocou nessa situação tão perigosa.

Muitos pais podem acabar indo para o lado do “meu Deus, tenho que vigiar os sites que meus filhos acessam”. Dando uma de psicólogo aqui, eu gostaria dizer que essa seria uma abordagem errada. Assim, galera, vocês não vão dar nem conta de fazer isso. E não vai dar pra limitar o uso da internet também. A questão-chave é: conheçam os filhos de vocês, conversem, deixem abertura para que eles falem do mundo deles para vocês. Enfim, isso vai ficar para outra newsletter.

E, na moral, eu chorei pra caramba no final da minissérie.

Lâminas do Caos (Tormenta20): Comentei na semana passada acerca da mesa em que jogamos Guerra Artoniana, então vou comentar um pouco sobre a outra mesa de RPG que estou mestrando. Essa aqui é presencial e surgiu como minha estratégia para fazer amigos já que vim morar num estado completamente diferente. A estratégia só começa com um amigo, o Daniel (do qual falei na semana passada também), mas a gente vai devagar nessa.

Aqui temos um grupo de três personagens:

(1) Mérida Brimm, personagem da Vanessa, uma druida dahllan (meia-dríade) nascida em Lysianassa, a primeira cidade “civilizada” da ilha de Galrasia, o Jurassic Park de Arton. Ela foi treinada por um grupo de druidas dahllan chamadas oqaan, mas fugiu de lá porque queria ver o mundo e seguir os passos de sua ídola, Lisandra de Galrasia, atual arquidruida da deusa Allihanna (essa aí é uma das protagonistas da HQ Holy Avenger). E ela saiu de Galrasia com ajuda de...

(2) Arkon Inferis, também personagem da Vanessa (ela fez ele mudo para facilitar o role-play com dois personagens. O Arkon gesticula, a Mérida traduz… Pois é, a ideia dos personagens mudos não foi do Ítalo). Ele é um guerreiro minotauro que é herdeiro de uma família nobre do Império Arton, mas que não quer seguir a carreira militar nas legiões. Seu sonho é destruir uma área de Tormenta e criar uma fazenda ali. Por isso saiu pelo mundo em busca de ficar mais forte para tornar seu sonho realidade.

(3) Darius Vespertrix, personagem do Daniel. Ele é um jovem elfo caçador, jovem mesmo, com uns 20 anos de idade, e que também é um lefou: ou seja, ele possui deformações oriundas da exposição à Tormenta. Mas Darius e sua família peculiar não enxergam essa deformação como uma maldição, como é comum em Arton, eles acreditam que é uma benção. Com certeza um sinal de que Darius será um grande herói élfico. Ele nasceu e cresceu em Yuvalin e saiu em busca de aventuras para aumentar seu heroísmo.

Eles se encontraram primeiro em Nova Malpetrim, onde quase acabaram roubando uma relíquia sagrada de elfos-do-mar para entregar a um bandido. Por sorte perceberam o engano a tempo e não se meteram com gente errada. Daí Darius recebeu uma carta de sua mãe dizendo que a Guilda dos Mineradores em Yuvalin abriu o processo seletivo para aventureiros licenciados (e sim, essa é a Jornada Épica “Coração de Rubi” de Tormenta20).

Daí saíram das terras do Império Tauron e chegaram a Zakharov, o Reino das Armas pertencente ao Reinado. Em Yuvalin, eles fizeram uma série de missões até se tornarem aventureiros de elite nível Corídon e escolheram se chamar de “Lâminas do Caos” (ideia da Vanessa que não tem nada a ver com God of War /genuíno). E então foram chamados para ajudar Ezequias Heldret, o excêntrico inventor que é membro do conselho da Guilda dos Mineradores e também descendente de um dos fundadores da cidade. Ezequias acredita que o presidente da guilda, Rodford Vharin é corrupto e montou um plano para desmascará-lo.

Depois de várias horas melhorando suas armas (juro), o grupo Lâminas do Caos finalmente foi ajudar Ezequias e tiveram de enfrentar um grupo de puristas (humanos que querem matar todas as raças não-humanas, ou seja: supremacistas nazistas de merda) comprovando que sim, o presidente Rodford Vharin é corrupto e se envolvendo com supremacistas! Como nosso grupo é antirracista tal qual os Panteras Negras, deram uma surra neles.

Mesmo assim, Rodford Vharin armou para os Lâminas do Caos: matou os puristas que haviam sido capturados e acusou Ezequias e os Lâminas de terem assassinado cidadãos inocentes. Montou então um tribunal com o Conselho da Guilda dos Mineradores em praça pública, mas não foi o suficiente. Darius apelou para a racionalidade e expôs, em sua defesa, várias situações estranhas envolvendo Rodoford. Mérida e Arkon arrancaram lágrimas de toda a audiência contando a história de como haviam chegado até ali. As testemunhas, pessoas que haviam sido ajudadas pelos Lâminas do Caos, atestaram a honestidade deles. E depois que Mérida ofereceu uma ressucitação temporária das supostas vítimas para apurar o que aconteceu, a coisa desandou. Rodford tentou dar cadáveres falsos, e ao dissipar a magia de ilusão, foi preso por corrupção e execução ilegal de prisioneiros.

Assim, Ezequias Heldret se tornou o novo presidente da Guilda dos Mineradores (que manda em Yuvalin). Ele declarou que quer pôr fim à Tormenta e contará com a ajuda dos Lâminas do Caos. É assim que esse novo grupo de aventureiros se tornou amigo do prefeito.

E é isso, minha querida audiência leitora. Fiquem em paz e até semana que vem.

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