#19 — Psicólogo com hiperfoco em criança

Em que dou vazão ao hiperfoco que durou pouco mais de 1 semana em que eu PRECISAVA estudar desenvolvimento infantil; falo uma coisa engraçada sobre a Pomba Wars; e compartilho minhas detonadas com o Leonel Caldela.

Já tem algumas semanas que tenho dois assinantes novos e, sabendo disso, eu acabo modificando levemente o jeito que eu escrevo. É natural, eu já vou pensar: “eita, alguém aqui está lendo e não leu aquela outra newsletter lá atrás”.

Agora vou mandar um recadinho especialmente para vocês, novos assinantes: Eu falo de um monte de coisas aleatórias. Eu já cheguei falando de autismo, já cheguei falando de música, volta e meia falo de escrita criativa e literatura, mas hoje vou falar é de

fundo preto, letra psi em vrde, e inscrição PSICOLOGIA

Embora eu tenha me formado em psicologia me considerando um behaviorista radical (tendo até escrito um texto bem apaixonado sobre porquê escolhi ser um analista do comportamento, publicando tanto no meu antigo blog quanto no medium), já faz algum tempo que eu tenho me aproximado cada vez mais da psicologia histórico-cultural.

Certo, para quem não é da psicologia, eu falei um monte de palavras sem significado. Então vamos a uma breve contextualização: Psicologia é uma ciência que ganhou este status de “ciência independente” em 1879, quando um psicólogo alemão chamado Wilhelm Wundt fundou um laboratório de psicologia experimental em Leipzig. Antes disso, psicologia era um campo do conhecimento reconhecido e existente, mas funcionava mais como disciplina de filosofia ou fisiologia. Às vezes, nem era reconhecida por esse nome “psicologia”, mas tem muita coisa na filosofia antiga que é, em última instância, um “estudo da alma” ou “estudo da mente” ou “estudo do comportamento humano” e por aí vai.

Uma vez nascida a psicologia, surge uma tremenda de uma bagunça teórica para definir o que é a psicologia, qual é o seu objeto de estudo, quais métodos utiliza e etc. Surgiram várias e várias tendências diferentes e contraditórias, produzindo muito, mas muito material mesmo, e deixando completamente confuso. Isso é o que o psicólogo soviético Lev Vigotski (dentre outros, como o filósofo Georges Politzer) vai chamar de Crise da Psicologia.

Existe um monte de teorias diferentes e, costumeiramente, contraditórias entre si na psicologia: psicanálise (que não surgiu como uma psicologia, mas acho que é justo dizer que ela é uma), fenomenológica existencial, gestalt, behaviorismo, cognitivismo, humanismo, etc. Todas elas produzem muitas pesquisas, investigações, intervenções, e não entram em acordo.

Nem existe dessas teorias entrarem em acordo e continuarem sendo elas mesmas, na verdade, o que com frequência me cria um problema tremendo de comunicação. Imagina só: agora sou psicólogo no CAPS-Infantojuvenil de Uberaba (MG). No CAPS a gente trabalha em equipe e, na minha equipe, tem seis psicólogas (eu incluso, mantive o feminino genérico porque, na moral, de homem só tem eu). Não localizei as abordagens teóricas de todas, mas já sei de uma colega que é psicanalista freudiana (sempre falando em transferência, contratransferência, negação, resistência, etc. Eu também estudei Freud) e outra que é Analista do Comportamento (Behaviorista Radical, igual eu era quando terminei a faculdade). Ainda assim, as seis psicólogas precisam dar um jeito de trabalharem juntas e se ajudarem, o que é um grande desafio. Além de todo o percurso individualizante da psicologia enquanto profissão (assunto para outro dia), essa desagregação teórica e metodológica cria outro abismo para a gente se comunicar, trocar experiências e ideias e etc. Não é o fim do mundo, ainda consigo me comunicar com minhas colegas, mas essa situação torna tudo difícil..

Por isso concordo com o Vigotski (e todos os outros) quando chama essa bagunça de teorias da psicologia de Crise da Psicologia. É até quase ofensivo a gente ter sido acostumado a chamar cada pedaço fragmentado da psicologia de abordagem. Não é como se fossem só modos diferentes de pensar a mesma coisa. É uma confusão mesmo.

O triste é que já fazem quase 100 anos desde que Vigotski começou a delinear um plano para resolver isso através de um texto-diagnóstico entitulado O Significado Histórico da Crise na Psicologia: Uma Investigação Metodológica (publicado recentemente em português na coletânea “O Essencial de Vigotski”). A situação não mudou muito de 100 anos para cá. Os motivos são inúmeros, mas além de eu deixar pra falar disso em outra oportunidade, posso indicar também o Grupo de Estudos Crise da Psicologia e História da Psicologia, que é gratuito com encontros síncronos quinzenais via Google Meet e começa nessa quinta-feira (25/09/2025).

Voltando ao assunto, a Análise do Comportamento acreditava que o objeto de estudo da psicologia deve ser o comportamento (por isso é um comportamentalismo ou, como ficou conhecido, um behaviorismo). Comportamento não seria simplesmente aquilo que nós, seres vivos, fazemos, mas toda a interação entre nós e o ambiente (que é tudo aquilo que está externo a nós mesmos). Pensamentos, dores, sentimentos, corrida, tudo isso é comportamento (e essa perspectiva, elaborada primeiramente pelo psicólogo estadunidense B. F. Skinner, ficou conhecida como behaviorismo radical).

Das psicologias que vi na faculdade, essa era a que mais me interessava por vários motivos (que escrevi naquele texto que linkei lá em cima). Mas outras coisas que, talvez eu não tenha escrito naquele texto lá, envolvem o fato de que o melhor professor da minha graduação tenha sido um behaviorista radical (que, sendo psicólogo clínico, parece seguir mais a linha brasileira do Hélio Guilhardi, que é a Terapia por Contingências de Reforçamento — a mesma linha dessa minha colega no CAPS-IJ que é behaviorista, por sinal). Sério, eu só me senti psicólogo a partir do 4º Período, quando tive a matéria “Psicologia Comportamental” com o Prof. João Carlos Martins Martinelli (que felizmente orientou meu TCC ao final da faculdade). Algo que me deixou satisfeito foi um jeito de pensar a psicologia que não me obrigaria ter que estudar transtorno mental por transtorno mental, que me permitia ver uma pessoa como ela é: uma pessoa, única, com um contexto único. Isso tem sido muito útil para mim até hoje. Não preciso dizer “só atendo depressão, ansiedade e bipolaridade”, sou capaz de ser psicólogo para qualquer pessoa que me procure, independentemente da idade e do problema. (Minha colega behaviorista disse a mesma coisa para mim essa semana, então confio que ela vai ser uma ótima psicóloga do CAPS… E espero que eu também seja).

Mas enfim, eu tive uma vida depois da faculdade até chegar aqui. Continuei com meu incômodo com essa desagregação teórica da psicologia, principalmente quando vi mais desagregação dentro do próprio behaviorismo radical. Agora nós temos terapia funcional-analítica, terapia de aceitação e compromisso, teorias das relações funcionais, teoria comportamental dialética… E meu Deus, já chega de clubismo! Se eu for obrigado a entrar em algum, que fosse pelo menos em algum grupo de teoria psicológica que pretende lidar com a construção de uma psicologia que sirva pra todo mundo! (A TCR tenta fazer isso dentro do behaviorismo radical, mas ela acaba se restringindo apenas a psicologia clínica e aos behaviorismos radicais… e o que a gente faz com os psicanalistas, gestaltistas, existenciais, humanistas e etc?).

Foi quando, através de uma amiga (VALEU, MIKA!), conheci o Vigotski de verdade, que não seria o Vygotsky cheio de y (por ter sido traduzido do inglês apenas) e que só fala de Zona de Desenvolvimento Proximal fazendo duplinha com Piaget, que só falaria de Estágios do Desenvolvimento (se você fez faculdade fora da psicologia, provavelmente você estudou o Vygotsky cheio de y e o Piaget dos estágios do desenvolvimento. Sinto informar, mas vocês não conhecem a teoria nem de um e nem de outro, só um pastiche hipersimplificado que está, em última análise, errado. Pode jogar fora que não vai fazer diferença /infelizmente, genuíno, já sofri demais por isso).

A teoria Histórico-Cultural do Vigotski ficou conhecida assim porque outros teóricos olharam para a produção do Vigotski e pensaram: “nossa, ele dá bastante ênfase nas determinações históricas e culturais na hora de pensar as pessoas, hein”. Mas a intenção dele não era essa, era sim construir uma Psicologia Geral, e teve mais gente continuando o trabalho depois que o Vigotski morreu prematuramente (tuberculose matou muita gente no século XX). O marco é que o Vigotski e os outros que continuaram esse trabalho eram marxistas, então o caminho epistemológico para organizar todo o conhecimento científico em algo que vai ser voltado para as pessoas em vez de apenas um fetiche acadêmico foi o materialismo histórico-dialético. 

Bom, nos últimos anos, conheci o materialismo histórico dialético, e vendo que isso foi tão útil para resolver a economia política (sim, estou falando de O Capital: Crítica da Economia Política, a obra máxima de Marx), já estava concordando que isso seria muito bom para a psicologia. Na época, pensava em como unir o MHD ao Behaviorismo Radical, mas conhecer Vigotski me mostrou que, na verdade, eu preciso é estudar muito.

Meu diagnóstico de autismo e a dificuldade que é estudar o que é autismo (e neurodivergências em geral) me fez ver que isso esbarra em muitas questões políticas. Usar o MHD para estudar isso pareceu um bom caminho, e como já trilharam ele, tentei estudar Fundamentos da Neuropsicologia, de Alexander R. Luria (considerado o pai da neuropsicologia). Logo nos primeiros momentos de estudo, vi que eu precisava melhorar muito minha compreensão de desenvolvimento humano e, para isso, precisava voltar para o Vigotski.

Pois é, e para terminar de entornar o caldo, virei psicólogo do CAPS Infantojuvenil, minha vida profissional será dedicada a atender as questões de saúde mental de crianças e adolescentes. Então isso reforçou a vontade de estudar Sete Aulas de L. S. Vigotski sobre os Fundamentos da Pedologia. (pedologia seria o estudo da criança, mas Vigotski considera que o mais preciso é estudo do desenvolvimento da criança; acho que não existe mais pedologia como ciência independente, daí considero que isso simplesmente foi englobado à psicologia).

Apesar de ser um texto introdutório, literalmente transcrições de aulas que o Vigotski deu, eu demorei muito a avançar com os estudos. Já tinha feito uma leitura antes até a quinta aula, mas daí esquecia informações cruciais e acabava voltando para o início. Devo já ter lido a primeira aula umas dez vezes. Mesmo assim, era difícil entender a relação entre as leis do desenvolvimento ali.

Isso se resolveu com o sistema de anotações que comecei a adotar. Eu comentei sobre ele nas atualizações da newsletter passada. Cheguei a escrever um texto sobre isso, mas decidi que vou publicá-lo no blog do Coletivo de Psicologia Materialista Histórico-Dialética, então vai levar um tempinho a mais ainda.

O resultado é que eu li o livro todo e fiz as anotações todas essa semana. Na semana passada, as anotações estavam assim:

Agora elas estão assim:

Uma constelação de notas. Meu amigo Ben disse que é “a ligação dos neurônios do cérebro de um autista”.

Enfim, não tem como eu resumir o livro inteiro aqui, mas eu gostaria de aproveitar o fechamento dessa conquista falando algumas coisas que aprendi com esse estudo.

Sete Aulas de L. S. Vigotski sobre os Fundamentos da Pedologia

Aprendizados relevantes (além da questão do método do Vigotski, os casos clínicos apresentados e vários links que fiz com o que já estudei sobre neuropsicologia e autismo)? Acho que me chama atenção as leis do desenvolvimento. Vou já usar minhas notas recém-feitas e apresentar algumas dessas leis aqui.

1ª Lei Geral do Desenvolvimento: a Lei do Desenvolvimento Cíclico

O desenvolvimento acontece em ciclos (ou estágios, dependendo da terminologia que você preferir) e não coincide com a contagem cronológica do tempo.

Um recém-nascido se desenvolve muito rapidamente em 2 meses, mas um adolescente quase não tem alterações em seu desenvolvimento nesse mesmo intervalo de 2 meses. Então se a gente fala de um atraso de 1 mês no desenvolvimento de um bebê, isso é atraso considerável. A gente vai ficar preocupado, vai tentar descobrir o motivo desse atraso, vai pensar em abordagens terapêuticas e de reabilitação para corrigir prejuízos acarretados por esse atraso. Agora, um atraso de 1 mês no desenvolvimento de um adolescente é tão desprezível, tão insignificante, que a gente mal vai conseguir notar algo desse tipo.

2ª Lei Geral do Desenvolvimento: a Lei da Desproporcionalidade do Desenvolvimento em Diferentes Particularidades

O desenvolvimento não é só um crescimento proporcional, em que tudo se desenvolve proporcionalmente no mesmo ritmo. Pelo contrário, cada particularidade tem seu momento de se desenvolver (e vai ocupar lugar central naquele ciclo ou estágio).

Observamos, por exemplo, que na assim chamada primeira infância, o aspecto psicológico que mais se desenvolve é o que Vigotski chama de percepção afetiva. A criança começa a desenvolver muito rápido a percepção das coisas, o reconhecimento de tudo o que é externo a ela, e esse reconhecimento é afetivo porque esse perceber também envolve sentir coisas a respeito do que é percebido. Essa função psicológica se desenvolve bem mais rápido do que qualquer outro aspecto psicológico nessa idade e todos os outros processos (menos desenvolvidos) são subordinados à percepção afetiva.

Como funciona uma memória de uma criança de três anos? Ela vai se lembrar de objetos ou sensações que trazem uma carga afetiva grande. Por isso é fácil distrair essas crianças.. Se ela está chorando porque tomou uma injeção e sentiu dor, pode parar de chorar e ficar extremamente feliz só porque lhe deram um sorvete logo depois.

No desenvolvimento físico também é assim. Tem um momento em que a cabeça da criança é bem maior que os membros, mas depois os membros crescem de uma vez e se tornam proporcionalmente mais desenvolvidos que a cabeça. Vigotski dá até o exemplo da glândula suprarrenal que, no recém-nascido, é proporcionalmente bem mais desenvolvida que os próprios rins.

Essas proporções vão se alterando ao longo do desenvolvimento. E, se as proporções vão se alterando, podemos chegar a conclusão de uma outra lei que é a

Lei da Metamorfose do Desenvolvimento Infantil

O desenvolvimento não é só um crescimento da criança, uma mudança quantitativa, um aumento de tamanho. É uma transformação mesmo, uma mudança qualitativa. O nome da lei é da metamorfose não à toa, o que acontece é uma verdadeira metamorfose, tipo a lagarta que vira uma borboleta mesmo. Sabemos que lagartas e borboletas são o mesmo bicho, mas sabemos também que uma borboleta não é simplesmente uma lagarta grande. Lagartas são diferentes de borboletas, funcionam de forma diferente das borboletas.

Essa lei é ouro para serviços como o meu (CAPS Infantojuvenil). Uma criança de 7 anos é qualitativamente diferente de uma criança de 10 anos, que é diferente de um adolescente de 13 anos, que é diferente de um adolescente de 16. A diferença está tanto no funcionamento do organismo quanto no funcionamento psicológico. Uma característica em determinada idade vai ter um significado completamente diferente da mesma característica em outra idade.

Então por isso que em serviços como o meu nós vamos dar um tipo de atenção diferenciada para cada fase do desenvolvimento.

Lei Fundamental do Desenvolvimento Infantil

Vigotski (2018) diz que "nem sempre observamos processos apenas progressivos, que seguem em frente, mas também um desenvolvimento reverso de especificidades ou de aspectos próprios da criança numa etapa inicial (...) de modo que qualquer evolução no desenvolvimento infantil seja também uma involução, isto é, um desenvolvimento reverso. É como se os processos de desenvolvimento reverso ou inverso estivessem entrelaçados no curso da evolução da criança" (p. 27)1

Isso é verdade tanto no desenvolvimento de habilidades (uma criança desaprende a balbuciar quando aprende a falar), quanto para o desenvolvimento físico e psicológico. No caso do desenvolvimento físico, um aspecto muito interessante é no desenvolvimento do sistema endócrino quando vai chegando a puberdade. A hipófise e a tireóide começam a se desenvolver e a trabalhar intensamente, o que auxilia no desenvolvimento das glândulas sexuais. Só que quando as glândulas sexuais atingem determinado nível de maturação, começam a inibir a atividade da hipófise e da tireóide, que começam a regredir, involuir a um estágio anterior (isso casa também com a lei da desproporcionalidade do desenvolvimento hein).

Quando isso não acontece, essa superatividade da hipófise e tireóide que não sofreram o procesos regressivo começam a atrapalhar o trabalho que glândulas sexuais amadurecidas deveriam fazer. Isso gera um quadro que Vigotski identificou como “gigantismo eunucoide”, em que as extremidades dos adolescentes (braços e pernas, principalmente) crescem muito enquanto as funções sexuais permanecem não desenvolvidas.

Essa relação entre desenvolvimento progressivo e regressivo é bem dialética mesmo. Se Vigotski ficasse preso pela lógica formal, não teria percebido isso e não teria entendido um monte de casos clínicos que ele citou ao longo das aulas.

Como estudar os fatores hereditários e os fatores ambientais no desenvolvimento?

Aqui já partimos do pressuposto de que o desenvolvimento humano é determinado por fatores genéticos (hereditários) e fatores do meio (ambientais). Isso é problema? Não é problema, porque o Vigotski apresenta métodos para entender como cada um desses fatores atuam no desenvolvimento.

Podemos identificar a influência da hereditariedade em características do desenvolvimento através do estudo comparativo de gêmeos. Pegamos vários pares de gêmeos que vivem em situações parecidas (o grande número já diminui a margem de erro causada por diferenças de situações que sempre existem), e comparamos as semelhanças entre pares de gêmeos bivitelinos e gêmeos univitelinos.

Sabemos que gêmeos univitelinos compartilham a mesma carga genética, enquanto gêmeos bivitelinos tem DNA diferente. Sabemos que, para este estudo, as condições ambientais do desenvolvimento de todos os pares de gêmeos são semelhantes. Então se, dentro dessas condições, uma característica for muito semelhante entre gêmeos univitelinos (grau de semelhança de 80%) e muito diferente em gêmeos bivitelinos (grau de semelhança de 10%), podemos inferir que esta seja uma característica muito determinada geneticamente (grau de hereditariedade de 70%). Porque se o ambiente é praticamente o mesmo, o único fator que poderia causar divergências em bivitelinos que não existem nos univitelinos é a genética!

Com base em estudos desse tipo, já descobriram várias coisas. Sabemos que funções psicológicas mais elementares (aquelas com maior determinação biológica, ex: memória) são mais determinadas pela hereditariedade do que funções psicológicas superiores (aquelas muito determinadas pela cultura, ex: linguagem… e sim, aqui é um ponto importante de discordância com a linguística genética do Noam Chomsky. Aquela ideia lá é muito biruleibe). Sabemos que nenhuma característica do desenvolvimento é 100% ou 0% determinada pela hereditariedade. Sabemos que características que todas as pessoas tem em comum não vão ser detectadas pelo método comparativo de gêmeos (mas dai´é mais fácil de estudar também).

Quanto à influência do meio, nós nos atentamos a vivência de cada criança. Uma mesma situação vai ser vivenciada de forma diferente por crianças diferentes e em estágios diferentes do desenvolvimento. A forma como cada uma vivencia, a forma como os eventos impactam no desenvolvimento de forma diferenciada, nos dão várias pistas de como os fatores ambientais atuam no desenvolvimento. 

Daí já tiramos algumas conclusões do tipo: a vivência de uma situação está muito ligada ao nível de compreensão que a criança tem da situação vivida (nenhuma situação vai ser realmente traumática se a criança não conseguir interpretar a situação como traumática, nenhuma situação vai ser saudável se a criança não conseguir interpretar a situação como saudável). Sabemos que o meio social gera uma situação muito peculiar do desenvolvimento, porque a forma final já é dada como fonte de desenvolvimento para a criança (ex: uma criança que está aprendendo a falar não precisa desenvolver organicamente a linguagem, porque a linguagem já desenvolvida e pronta está sendo falada no ambiente dela o tempo todo). Sabemos que muitas das características únicas e pessoais das pessoas, especialmente as relacionadas a funções psicológicas superioras, surgem primeiro como algo que existe no ambiente social da criança antes de ser introjetada como algo próprio dela. Daí é mais fácil mesmo conhecer os outros do que conhecer a si próprio.

Enfim…

Teve muita cosia sobre desenvolvimento físico e desenvolvimento psicológico, muitas considerações metodológicas, muita coisa muito legal aqui. Mas não vou reescrever o livro numa newsletter, né? Eu deixei o link lá em cima e, para quem quiser, recomendo a leitura.

Bem, eu fiquei muito satisfeito de conseguir andar com os estudos outra vez. Claro que teve outros fatores, né? Pela primeira vez na minha vida eu tenho um escritório, um ambiente adequado de estudos, sem muitos distratores e que é confortável. Mas o importante mesmo é que CONSEGUI!

Sei também que a velocidade do estudo teve fator hiperfoco. Eu gastei meu tempo livre todinho pensando e estudando as Sete Aulas, era até difícil ter que parar para ir trabalhar. Agora que concluí a tarefa, o hiperfoco acabou e devo ir com mais calma. Mas ainda tenho um caminho pela frente ao tentar compreender a Teoria Vigotskiana do Desenvolvimento Humano. Minha intenção é aprender isso a ponto de conseguir dar aula sobre (dentro da limitação que só vou trabalhar com as publicações já traduzidas para português, não precisa ser um projeto de mestrado).

Bom, mas tenho uma ideia mais de longo prazo que é conseguir produzir uma crítica dessa teoria vigotskiana do desenvolvimento. Tipo… Tá muito bacana, mas será que ele está certo mesmo? Eu quero conferir (e acho que meu contato direto com crianças e adolescentes diferentes diariamente me permite observar muita coisa empiricamente também). Bom, talvez isso seja nível projeto de mestrado, já que também envolveria eu me aprofundar mais na epistemologia, na metodologia, e talvez comparar com outros sistemas teóricos (já quero saber do Piaget de Verdade e do Wallon de Verdade, agora que estou conhecendo o Vigotski de Verdade). Mas por enquanto a lista de leituras está assim:

  • Aulas de psicologia do desenvolvimento (1928) - duas aulas em "Psicologia, desenvolvimento humano e marxismo" da hogrefe

  • A crise dos 7 anos - Essencial em Vigotski

  • Sobre a questão do desenvolvimento dos conceitos científicos na idade escolar: experiências de construção de uma hipótese de trabalho (1934) - da Hogrefe

  • Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar - Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem

  • Livro: O Desenvolvimento Psicológico na Infância

  • Livro: Imaginação e Criação na infância

  • O desenvolvimento do pensamento do adolescente e a formação de conceitos - Essencial em Vigotski

  • A dinâmica e a estrutura da personalidade do adolescente - Essencial em Vigotski

  • O problema do desenvolvimento e da desagregação das funções psíquicas superiores (1934) - da Hogrefe

  • Sobre o plano de trabalho de investigação científica a respeito da pedologia das minorias nacionais (1929) - o da Hogrefe

  • Livro: A Construção do Pensamento e da Linguagem

  • Seção VI de Essencial de Vigotski

  • Infância Difícil - Essencial de Vigotski

  • Sobre a questão da dinâmica do caráter infantil - O Essencial em Vigotski

  • O coletivo como fator de desenvolvimento da criança com deficiência - O Essencial em Vigotski

Caso alguém mais queira estudar (vai que tem outros doidos que nem eu por aí?), toda essa bibliografia está disponível neste drive aqui. Mas provavelmente vou acabar dando um tempinho antes da próxima leitura nesse assunto. Tenho as pós-graduações (a qualidade delas é boa? Não tô achando, mas pelo menos vão me garantir umas gratificações salariais), tenho que estudar uns textos de psicologia social, e me chamaram no trabalho para um grupo de estudos relacionado a formação da fiocruz Nós na Rede. Eu estou animado para estudar com outras pessoas de novo.

Fundo preto, um sinal circular de setas verdes, e a inscrição Atualizações.

The Pomba Wars: a guerra continua. Não tem muito o que dizer além disso. A pomba é implacável. Acho que a coisa mais cômica é que Vanessa pesquisou no Google o que afasta pombos e, na lista, tinha “limões”. MAS A POMBA QUER FAZER O NINHO NO PÉ DE LIMÃO, GOOGLE!

Resenhas de livros de um autor que aprendi a odiar. Bom, eu atualmente estou (re)lendo “Mistborn”, do Brandon Sanderson, e ouvindo o audiobook de “Quarto de Despejo”, da Carolina Maria de Jesua, então não tem atualizações no Goodreads. Vou deixar vocês com uma resenha antiga então de “A Lenda de Ruff Ghanor: o Garoto Cabra”, de Leonel Caldela, um livro que odiei.

O Garoto-Cabra (A Lenda de Ruff Ghanor, #1)O Garoto-Cabra by Leonel Caldela
My rating: 1 of 5 stars

O ponto positivo é que o mundo é interessante, esse negócio dos Santos e Devorador de Mundos e tal. O autor sabe escrever fantasia épica, e pegando por isso, ganhava uns 7,5 em 10. De resto.... Caralho, foi bem ruim.

Bom, o mundo aqui tem vários problemas que o livro reconhece (o que acho louvável). Por exemplo, a linhagem antiga de Reis, os Ghanor (do qual o protagonista descende) não eram puros de coração, sangue bom, e esses mitos justificadores do poder aristocrático. Já é dito logo de cara que eram um bando de desgraçados tirânicos que seguiam a lógica: "Se eu sou bom, tudo o que eu faço é parÂmetro de bondade e o que o outro ali faz tá errado".

Outro problema é a injustiça da comunidade ao redor do Mosteiro de São Arnaldo, personificada na forma como tratavam Axia. Preconceito, hipocrisia, essas coisas todas que ficam por baixo dos panos dos cidadãos puros e de bem.

O problema principal da história é algo que eu acho beeem medíocre. Um dragão governa o mundo e um exército de monstros oprime os humanos, saqueando, matando e estuprando. Tudo aparentemente por diversão. Ah, vamo lá, né? Isso é tão batdinho que é ridículo. O inferno sempre são os outros, então a gente cria aí uns monstros que só querem fazer coisas ruins pra serem a Opressão.

Até aí tá ok. Mas daí vem a forma como as coisas vão se "solucionar". Ruff Ghanor é o Escolhido (sim, o tropo do Escolhido) principalmente por que? PORQUE ELE É UM FUCNKING GHANOR. Uai, mas o mito da aristocracia não era só um mito? Quer dizer que vamos tirar o dragão pra colocar outra aristocracia lá? É tipo o "tirou meu sutiã e calcinha me deixando só de calcinha". Ok... Essa coisa de um único herói escolhido derrotar todoo mal do mundo já é uma coisa bem méh. Mas não é só isso.

Axia, a que fio injustiçada, se torna interesse romântico do Ruff. E ela é feiticeira. Então se você achou que ela se tornaria companheira dele na aventura, ACHOU ERRADO, OTÁRIOS. A função dela na história é ser a fraqueza do Ruff, a tentação que ele precisa enfrentar. Tanto que o Corin, melhor amigo do Ruff, fica o livro todo naquela: "Mano, essa muié aí não presta". E o final só confirma isso aí que falei... Além de ser uma leve desumanização da figura feminina (romance dos branco cishet só pode ser como "prêmio" ou "tentação" pro herói, né?), ainda fica naquela... o Herói é o descendente de Reis, e a pessoa injustiçada (minoria social naquele contexto) inevitavelmente vai ser problema. E se ela não segue o herói descendente de reis, ela que é a ingrata.

Sobre Ruff, Corin e Axia eu fiquei naquela: A heteronormatividade não é sobre homens amarem mulheres, mas homens amarem outros homens e usarem mulheres como propriedade.

E assim... Aquele prólogo contando cosmogonia ficou meio chato, aquele início do Corin indo procurar a cabra e achando o Ruff... chato também. E a Grande Revelação do final foi muito méh. Tipo.... Deu pra entender que a história quer tratar da discussão filosófica sobre Livre-Arbítrio e Destino. Mas ao julgar como o livro tratou todas as outras questões (e notnado o caminho seguido no insight que Ruff teve ao final da história), já sei que vai tratar esse debate da forma mais medíocre e infantil ever. Então assim kkkkkkkk nem vou perder tempo lendo o resto da trilogia.

Fico decepcionado porque ouvi falarem tão bem do autor, mas acho que a Instituição Branco CisHet continua firme e forte.

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No goodreads tem um cara que comentou essa minha resenha (informal porque é uma rede informal) dizendo: “Que análise mais merda”. Mexer com nerdolas é complicado. Imagina o que o cara acharia então dessa outra aqui que publiquei na VAL sobre outro livro do mesmo autor?

Enfim, já divulguei minha detonada no Leonel Caldela (acho que deveria virar consenso que os livros dele são ruins igual já fizeram com o racismo nos livros da Renata Ventura e a transfobia na vida e obra da J. K. Rowling, mas fazer o que, né? Homem tem uma incrível habilidade de se safar). Acho que agora é hora de dar tchau.

Até semana que vem!

1  VIGOTSKI, L. S. Sete aulas de L.S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. [s.l.]: E-Papers, 2018.

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