A Lenda de Larzo — Capítulo 5

Continuando a História de Fantasia Genérica

E continuamos com nossa História de Fantasia Genérica, projeto iniciado nesta newsletter.

Você pode ler essa história também no Scriv, mas só aqui tem o making off.

Anteriormente…

Com a prisão de Madre Celéstia, as coisas ficaram tensas na Vila Amora. Tudo o que Razeru havia dito se cumpriu, inclusive a exigência de que a Província de Calena pagasse seus tributos em soja. Larzo tentou continuar a leitura do diário vermelho, onde leu uma passagem interessante sobre ter vindo pessoas de outro mundo, mas Irmão Humberto decidiu queimar todos os tomos heréticos. Quando contou tudo isso a Evangeline, ela decidiu levá-lo até Razeru.

Capítulo 5 — A Despedida

Evangeline tinha razão quando disse que sobrevoar daria vantagem para verem quem estava pelo caminho. Já tinham sobrevoado os arredores de metade do caminho até a Cidade de Calena e visto muitos viajantes, mesmo aqueles que estavam sob as árvores — afinal, Larzo era um goblin. Ele podia enxergar mais tons de verde do que outras pessoas, sempre se deu bem na floresta. E com Evangeline sendo suas asas, eles eram a equipe de busca perfeita.

Entretanto, não tinham visto Razeru até então. Parte de Larzo estava aflita imaginando não acha-la. Será que tinha sido pega? O que aconteceria com a Província de Calena e a Vila Amora? Sem Razeru, Larzo temia o que pudesse acontecer. Mas outra parte dele estava aflita imaginando realmente encontra-la. Assim que achassem Razeru, Larzo partiria com ela e deixaria Evangeline para trás. Sua vida mudaria para sempre.

Evangeline já tinha passado muito tempo voando, também estava começando a se cansar.

— Vamos parar em cima daquela pedra ali — Larzo apontou para um monólito que despontava do meio da floresta — Continuamos depois.

Evangeline assentiu e voou até o cume da pedra. Assim que chegou lá, se estirou no chão e pegou o cantil e despejou a água em sua boca, nem se importando em molhar seu rosto e roupa.

— Não desiste, Larzo — ela falou então — Ainda falta metade do caminho. Eu sei que ela não iria embora sem você.

Larzo assentiu, olhando toda a floresta ao redor. Conseguia ver alguns viajantes na estrada que cortava a floresta além de vários bichos: macacos, cobras, vários pássaros. Tinha até uma onça dormindo. Se encontrassem Razeru, não sabia para onde ela o levaria. Será que voltaria a ver aquela paisagem da Floresta de Calena?

— Não é assim que eu imaginava minha partida — disse, por fim.

Evangeline o encarou por alguns segundos. Não é que ela estivesse pronta para ver seu amigo partir, mas decidiu que deixaria o choro para depois. O que Larzo havia lhe contado era muito sério e ele era cabeça de vento demais para perceber. Sempre vivendo mais dentro dos próprios pensamentos do que na vida real. Por isso ela resolveu dar um empurrãozinho. Um empurrãozinho não, Evangeline resolveu carregar Larzo até o seu destino. Era o seu dever como melhor amiga. Mas ela também queria aproveitar os últimos momentos com aquela cabecinha que imaginava, imaginava e imaginava.

— Como você imaginava sua partida? — perguntou.

— Sei lá — Larzo suspirou — A gente faria uma festa de despedida. Encomendaria pães, bolos, e mais tortas da Dona Griselda. Dançaríamos, brincaríamos, ouviríamos piadas do Theo.

— Você daria um beijo na Carla? — Evangeline provocou.

Larzo deu um soquinho no braço dela e então protestou:

— Sai fora!

Evangeline começou a rir. Na real, odiava aquela garota e seu irmão gêmeo. Mas, por isso mesmo, imaginar um romance entre Larzo e Carla parecia muito engraçado.

— Mas eu iria te empurrar para se declarar logo para Tara — Larzo falou, por fim.

E aquilo fez Evangeline travar. É óbvio que ela queria falar sobre seus sentimentos com Tara, mas... E se ela não gostasse? Afinal, Evangeline era estranha. Alta demais, pele escura demais, e tinha aquela sua obsessão por desenhos, anatomia e sexo. Ela não era lá uma boa pretendente.

— É óbvio que Tara gosta de você também — Larzo falou.

Ele sabia dos receios de Evangeline, mas eles simplesmente não se aplicavam quando o assunto era Tara. Ela sempre estava procurando desculpas para visitar a Vla Amora e era óbvio o motivo: passar tempo com Evangeline. Era agonizante ver como as duas se rodeavam e nenhuma tinha a coragem de confessar seus sentimentos.

— Você fala que eu sou cabeça de vento e não faço as coisas — Larzo argumentou — mas as vezes eu é quem queria conseguir te pegar no colo e te levar para resolver seus problemas.

— Ai, cara. Essa doeu.

— Eu só quero que você seja feliz, Evangeline. Você é minha melhor amiga. É o mais próximo que eu tenho de ter uma irmã.

Evangeline sorriu e abraçou Larzo forte. Dessa vez não conseguiu conter as lágrimas. Ao perceber os soluços dela, Larzo também começou a chorar. Sempre soube que sentiria falta de Evangeline se saísse dali, mas pela primeira vez a imaginação de ver o mundo sem ela ficou palpável. Não era fácil. Doía. Doía demais.

Evangeline tinha razão quando disse que Razeru deveria estar na metade do caminho para a Cidade de Calena. Primeiro Evangeline viu sua carroça. Tinha alguns produtos nela ainda, mas no geral, estava abandonada. Nenhum jumento a carregando e a maior parte da comida e água tinha sido levada. Daí sobrevoando aos arredores não foi difícil para Larzo divisar um acampamento improvisado no meio da floresta, onde uma abis assava um peixe recém-pescado.

Razeru viu os dois se aproximando por entre as árvores e abriu seu sorriso pontiagudo.

— Eu estava me preparando para te buscar.

Larzo não sabia exatamente o que dizer. Da última vez que vira Razeru, tinha dito a ela que ficaria na Vila Amora. Então Evangeline tomou a dianteira e contou tudo o que acontecera desde aquele fatídico dia: os policiais levando Madre Celéstia sob custódia, Irmão Humberto retomando a prática de queimar heresias, as notícias sobre Calena dever pagar seus tributos em soja. Razeru ouviu tudo com atenção e, só ao final, comentou:

— Você fez bem em trazer Larzo até mim, Evangeline.

Razeru suspirou fundo, viu que o peixe já estava assado e então apagou a fogueira antes de continuar:

— Policiais imperiais na Vila Amora bem naquele dia. Se eles realmente estivessem atrás de mim, teriam me alcançado — então ela riu — Não pensei que a polícia imperial algum dia usaria intencionalmente o Demônio Vermelho como subterfúgio para pegar outra pessoa.

Larzo não entendeu o que Razeru havia dito, mas os olhos de Evangeline se arregalaram quando ouviu “Demônio Vermelho”.

— Foi você quem liderou o ataque àquele trem de suprimentos para o Exército Imperial? — Evangeline perguntou e, então, se virando para Larzo, falou — Tara me disse que há alguns meses um grupo muito perigoso de hereges fez esse ataque. Diziam que o líder era um tal de Demônio Vermelho.

— E o fato de acharem que eu era homem me garantiu meses de imunidade para continuar sendo Razeru, a Mercadora Itinerante — ela explicou — Mas sim, eu sou o Demônio Vermelho. Agora a Polícia Imperial sabe disso, mas parece que estão mais preocupados em capturar o Larzo.

Isso fez as duas voltarem sua atenção para Larzo, que ainda não sabia o que deveria dizer ou fazer. Aquilo ainda parecia surreal demais. Ele nunca cometera nenhum crime contra o Império Albigorn até aquele momento e merecia mais atenção do que Razeru, que tinha atacado os militares?

— Então eles também acreditam que eu sou o escolhido da profecia?

— Um goblin que cresceu entre ladrões e se juntou à igreja é uma história incomum. Eu me considerava sortuda por ter te conhecido e não esperava que ela se espalhasse. Mas, pelo visto, ela se espalhou — Razeru explicou — Madre Celéstia fez o correto para te proteger. Duvido que a Polícia Imperial consiga fazer algo contra ela, mas não cessarão esforços de te incriminar, Larzo. Você não está mais seguro na Vila Amora. E nem você, Evangeline. Assim que acharem a desculpa perfeita para incriminarem Larzo, irão atrás de você por causa da conexão que possuem. Se quiser, há espaço para se juntar a nós.

Por alguns segundos, Larzo nutriu a esperança de ter Evangeline com ele. Naquela situação completamente nova, teria alguém familiar. Mas foi só o tempo para olhar no rosto dela e saber que aquilo não aconteceria. Nem ele próprio queria que acontecesse.

— Agradeço, Razeru — Evangeline respondeu — Mas tenho que voltar a Vila Amora. Não acho que conseguiria proteger Larzo lá, mas tem muita coisa e muita gente naquela vila que eu consigo proteger. Não posso sair agora.

Razeru encarou os dois e assentiu:

— Tudo bem. Nesse caso, vou dar um tempo para vocês.

E então pegou o espeto de peixe e saiu por entre as árvores. Evangeline se sentou sobre uma pedra e chamou Larzo para sentar-se ao seu lado. A garganta dele parecia fechada, não sabia o que falar e as lágrimas já escorriam por seu rosto. Evangeline o abraçou de lado e disse:

— Não é assim que imaginávamos as coisas acontecerem e eu sei que é ruim, mas eu gostaria que você se concentrasse na parte boa. Você sempre quis sair com Razeru e conhecer o mundo, Larzo. Finalmente vai fazer isso. E mais do que isso, eu sei. Porque além de conhecer o mundo, eu acredito que você vai mudá-lo.

Larzo assentiu, ainda chorando. Mal compreendia o motivo de tanto choro. Conseguia pensar nas palavras “vou sentir falta de Evangeline”, mas era difícil imaginar sua futura vida sem ela. Larzo tentava, tentava e tentava, mas não lhe vinha nenhuma imagem, só a vontade de chorar mais.

Ficaram assim por um bom tempo, até que Razeru voltou e disse, com delicadeza, que precisavam partir. Larzo a acompanharia e Evangeline voltaria para a Vila Amora. Então, deram-se o último abraço.

— Larzo — ela disse quando o soltou — Só me prometa que vai aproveitar cada paisagem nova, tá bom?

— Prometo — ele respondeu — Mas me prometa também que será feliz. Nada de ficar ocultando seus sentimentos por lá.

Um sorriso choroso brotou no rosto de Evangeline, mas ela respondeu:

— Prometo.

E assim, se foram. Razeru levou Larzo por uma trilha no meio da floresta e Evangeline levantou voo de volta para casa.

Making-off

É mais um capítulo com cenas de transição. Para a história avançar, eu precisava tirar Larzo da Vila Amora e colocá-lo sob a tutela de Razeru logo. A parte da Recusa do Herói foi bem útil para mostrar as consequências do que estava acontecendo. Não era algo do qual Larzo poderia fugir e, mesmo na pacata Vila Amora, as mudanças chegaram. Fora isso, a história precisa acontecer em outro lugar, não é mesmo?

Eu sei que se eu estivesse me propondo a editar e a escrever uma história de fantasia menos genérica, teria voltado atrás e feito várias alterações. Parece conveniente demais Evangeline e Larzo realmente conseguirem achar Razeru no meio do mato depois de dias. Dei a desculpa de que goblins conseguem enxergar melhor entre os tons de verde da floresta e que a Polícia Imperial só emprega humanos, daí Evangeline e Larzo teriam vantagem em encontrar Razeru… Mas eu ainda acho uma desculpa fraca.

Enfim, essas conveniências acontecem a rodo nas histórias de fantasia genérica e as pessoas aceitam, né? Eu não aceito tão facilmente, mas minha intenção agora não é fazer uma história que eu considero realmente boa, isso me daria muito trabalho. Por hora, eu quero terminar uma história de fantasia genérica. Qualquer coisa, ao final, tenho um rascunho bruto que posso editar pra mostrar uma história lapidada e melhorzinha, né? O importante é avançar e terminar.

Algo que quis colocar no capítulo é Larzo sentindo a despedida do seu mundo comum. Deixar Evangeline para trás significa deixar tudo o que lhe é familiar para abraçar o novo. É uma sensação que eu já passei algumas vezes e é uma sensação muito estranha. A gente não sabe racionalizar bem o que está acontecendo e daí começa a chorar.

Mas é isso. Agora Larzo está com Razeru e estamos nos aproximando cada vez mais do clímax do Ato 1. Até aqui, Larzo não passou por nenhuma transformação e ainda pode voltar atrás. Entretanto, o ponto de não retorno está próximo. É só ele dar mais alguns passos adiante com Razeru dentro da floresta que já já vai descobrir isso.

Bom, por hoje é só. Até semana que vem!

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