- Asas à Prova do Sol
- Posts
- A Lenda de Larzo — Capítulo 3
A Lenda de Larzo — Capítulo 3
Capítulo 3 da História de Fantasia Genérica + making off

E continuamos com nossa História de Fantasia Genérica, projeto iniciado nesta newsletter.
Você pode ler essa história também no Scriv, mas só aqui tem o making off.
Mas vamos logo para a recapitulação.
Anteriormente…
Mesmo que Madre Celéstia não tivesse dado o castigo de limpar latrinas para Larzo e Evangeline, Irmão Humberto soube que eles tinham aprontado e impôs o castigo mesmo assim. Eles estavam lá, de boa, arrumando as coisas quando Theo apareceu falando que Razeru, a mercadora abis, tinha chegado a cidade. Como Razeru tinha um bom relacionamento com Larzo, Theo queria ajuda do amigo para conseguir uns descontos em itens apotecários. Larzo conseguiu descontos em troca de ajudar Razeru a carregar a carroça, e nesse momento ela disse que havia uma profecia sobre um goblin que derrotaria o Deus-imperador Nicolas Albigorn, insinuando que este goblin seria Larzo. Ele não acreditou muito a princípio, então Razeru deu um dia para ele pensar: Larzo decidiria continuar sua vida pacata na Vila Amora ou seguiria Razeru num treinamento para cumprir seu destino profético?
Capítulo 3 — A Decisão de Larzo
Na manhã do dia seguinte, Larzo ainda não tinha decidido. Enquanto limpava a latrina da família de Dona Griselda junto a Evangeline, pensou no que havia acontecido na noite anterior.
Evangeline tinha voltado a dormir — ou fazer o que estava fazendo antes — e Larzo estava se preparando para ir ao seu quarto quando Madre Celéstia o levou para seu escritório. Disse que, caso ele decidisse ir com Razeru — e ela acreditava que Larzo decidiria ir —, talvez pudesse levar uma lembrança de casa. Então deu a ele o diário vermelho. Com tantas coisas na cabeça, Larzo não conseguiu ler, mas pelo menos teve tempo para usar seu dispositivo e copiar as páginas.
Tanto Evangeline quanto Madre Celéstia tinham garantido que Larzo não ficasse preso a Vila Amora. Elas ainda se lembravam dos anos em que ele passou fantasiando sua saída da vila, explorando o mundo.
Larzo não tinha tantas memórias assim da época que estava com os bandidos. Eram sempre esconderijos úmidos, becos escuros, passagens pequenas que ele era obrigado a entrar. No máximo se lembrava de uma casa de pedras cobertas de musgo no meio de uma floresta, lugar que assombrava seus pesadelos de vez em quando, mas que Larzo tentava esquecer. Era lá que os bandidos viviam, era para lá que eles voltavam depois dos assaltos.
A primeira vez que imaginou um mundo vibrante e mágico foi a primeira vez que Razeru apareceu na vila, contando suas aventuras numa cordilheira onde ela precisara enganar um dragão ancião para passar. Depois, mostrando as sedas da Província de Tian, falou do Festival do Tigre, onde as pessoas se fantasiam e saem dançando pelas ruas da cidade. Falou de praias cristalinas, desertos com espiões gigantes, ilhas flutuantes repletas de erotes… Larzo queria ver tudo aquilo. Ano após ano, implorava Razeru para levá-lo com ela.
“A vida de um mercador é repleta de aventuras, mas também repleta de perigos, garoto”, ela lhe dizia, “mas quando você crescer mais, vejo o que fazer”.
O momento havia chegado e ela ainda tinha acrescentado aquele papo sobre profecia e o margarete, citado no diário vermelho. Eram mais motivos para Larzo aceitar o chamado e partir com Razeru. Não podia mentir para si próprio, parte dele queria ir embora naquele mesmo instante. Para quê esperar por Razeru? Podia encontrá-la no burgo.
— Ah, muito bem — dona Griselda sorriu ao ver que sua latrina estava vazia e sua composteira abastecida — Por que vocês não se lavam ali atrás? Fiz uma torta de amoras que podemos comer juntos.
— Não se preocupe com isso, dona Griselda — Evangeline sorriu — Só fizemos nossa obrigação.
— Ah, que é isso? Já deixei a banheira pronta e eu não conseguiria comer uma torta daquelas sozinha. Vamos logo.
Larzo e Evangeline sorriram e seguiram as instruções de Dona Griselda.
Ela era, provavelmente, a goblin mais velha da Vila Amora. Sua pele verde já estava enrugada pelos seus setenta anos de idade, assim com os cabelos que já estavam completamente brancos. Ela usava óculos e tinha um sorriso simpático, com seus oitenta centímetros de altura — ainda mais baixa que Larzo. Seu filho Heitor e sua nora Ynara eram padeiros que abasteciam toda a vila, ofício que aprenderam da própria Griselda.
Por isso quando entraram na casa, após se banharem, o cheiro da torta de amoras estava delicioso. Larzo tinha certeza que em outros lugares não poderia comer a torta de amora da Dona Griselda e duvidava muito que existia outra comida melhor.
— Eu podia comer isso pra sempre — ele disse, o que fez a senhora abrir um grande sorriso.
— Eu também adoraria comer a torta da vovó pra sempre — uma nova voz surgiu na cozinha.
Ela estava ainda com o robe de linho que usava para dormir, mas Tara não precisava se arrumar para fazer Evangeline perder sua compostura. E aquela era outra cena que Larzo nunca se cansava de ver.
Tara era uma erote bem menor que Evangeline, com seus 160 centímetros. Além disso, sua pele era verde escura, seus cabelos eram loiros e suas asas tinham penas brancas. Aquela era uma aparência bem comum em erotes da Província de Calena, existiam várias garotas parecidas com Tara por aí. Mas nenhuma delas causava aquele efeito em Evangeline. Larzo imaginava o porquê. Tara nunca achou Evangeline estranha. Na verdade, da primeira vez que se encontraram, ela disse que a pele de Evangeline era a mais linda que já tinha visto, porque parecia o céu da noite de lua nova.
— E-eu não sabia que você estava aqui — Evangeline gaguejou, deixando um pouco da torta de amora cair do garfo e sujando um pouco a mesa.
— Cheguei ontem a noite — Tara respondeu, enquanto puxava uma cadeira e pegava um prato para comer da torta também — Tava pensando em passar na igreja pra te dar um oi, mas você resolveu me poupar do trabalho.
Tara era uma das netas de Dona Griselda. A filha mais velha, Helena, tinha se mudado para o burgo décadas atrás e se casado com um sapateiro erote. Daí tiveram duas filhas: Kali, que também se tornou sapateira, e Tara, que até aprendeu o ofício da sapataria, mas volta e meia fugia para a vila e ajudava os tios na padaria. Larzo tinha certeza que, em algum das visitas dela, Tara anunciaria sua permanência na Vila Amora. Na verdade, torcia por isso, porque aquilo era tudo o que Evangeline precisava para viver sua felicidade… Desde que tivesse algum empurrãozinho, claro.
— Então — Tara se voltou para Evangeline depois de morder mais um pedaço da torta de amora — Vocês vão fazer alguma coisa depois daqui?
— Na verdade, Larzo e eu precisamos…
— Evangeline está livre o dia todo — Larzo a cortou.
Evangeline o olhou com a sobrancelha arqueada e Larzo franziu o cenho para ela. Às vezes sua amiga era muito tapada.
— Eu prometi pro tio Heitor que vou ajudá-lo a preparar umas massas hoje e adoraria uma ajuda — Tara falou.
— Evangeline vai ajudá-la — Larzo respondeu, antes que ela estragasse tudo. Então comeu o último pedaço de torta e se levantou da mesa — Enfim, tenho outras coisas para fazer hoje, então vejo vocês duas mais tarde.
Evangeline estava muito abobada para responder, mas esboçou um “obrigada”. Larzo agradeceu Dona Griselda pela torta e saiu com um grande sorriso. Talvez com aquele empurrãozinho a história de Evangeline e Tara tivesse algum avanço, e ele com certeza gostaria de ouvir sobre isso depois.
Logo depois de sair da casa da Dona Griselda, resolveu passar no bazar e comprar umas maçãs para o Irmão Humberto. Ele com certeza implicaria com Evangeline assim que descobrisse que ela tirou um dia de folga bem na semana do castigo, mas umas maçãs da banca do Hassan sempre serviam para amansá-lo.
O problema foi quando tropeçou e caiu bem em frente a banca. Por pouco não derrubou todas as maçãs.
— Vê se não anda com a cabeça nas nuvens — Hassan ralhou.
Ele era um humano gordo, careca e de pele branca. Tinha um bigode preto bem grosso e sempre estava com cara de mau. Larzo sabia que nunca teria um desconto na banca de Hassan, mas a felicidade de Evangeline valia a pena. Larzo se levantou, bateu a poeira de suas roupas, e estava prestes a pedir duas maçãs quando ouviu a voz atrás de si.
— Com certeza era um estratagema do ladrãozinho pra pegar alguma coisa sem pagar.
Cardo. Tinha que ser ele. De repente fez sentido ter tropeçado. Não tinha nenhuma pedra no caminho. Cardo percebeu que Larzo estava distraído e pôs seu pé para derrubá-lo. Ele fazia aquele tipo de coisa desde quando eram crianças, na época em que Larzo foi trazido ao vilarejo e adotado pela Madre Celéstia. E se Cardo estava lá, mesmo sem se virar sabia que Carla também estaria.
— É uma vergonha que você ainda ande solto por aí na nossa vila — confirmando suas suspeitas, ouviu a voz dela.
Cardo e Carla, os gêmeos. Eram goblins mais ou menos da sua idade, tinham cabelos dourados e olhos azuis. Costumavam ser muito populares entre as crianças da vila e nunca gostaram de Larzo. Na verdade, Larzo tinha certeza de que eles o escolheram como seu saco de pancadas pessoal. Geralmente a presença de Evangeline prevenia abordagens tão diretas por parte dos gêmeos, mas como ele estava ali sozinho, não teve como evitar. De qualquer maneira, era melhor fazer o que tinha ido fazer o mais rápido possível.
— Vou querer duas maçãs… E pode ficar com o troco, pelo transtorno — ele disse, colocando mais moedas do que o custo das maçãs na bancada.
Hassan respirou fundo, pegou as moedas, e entregou as maçãs para Larzo sem falar nada. Ele também não era alguém que o aceitava naquela vila, acreditava que alguém que cresceu entre bandidos nunca traria uma boa reputação. Por isso fazia vista grossa para as atitudes de Cardo e Carla.
— Isso mesmo, ladrãozinho. Mas essa compensação está longe de ser o suficiente para pagar seus pecados.
Larzo pegou as maçãs, se virou e foi andando na direção da igreja. Isso até Carla o empurrar, fazendo-o cair outra vez e derrubar as maçãs.
— Não nos ignore — ela disse — Tá se achando o importante agora?
Larzo pegou as maçãs, se levantou e bateu a poeira das suas roupas outra vez.
— Me desculpem — ele respondeu — é que estou com pressa para entregar as maçãs para o Irmão Humberto.
— É bom mesmo que sirva direitinho à igreja, ladrãozinho — Carla retrucou, com nariz em pé — Você nunca terá servido o suficiente para pagar o que deve por tê-la profanado.
Larzo assentiu e seguiu o seu caminho. Fingir concordar e ignorar era o melhor jeito de lidar com os gêmeos e com aquelas pessoas que o olhavam com desconfiança. Algumas pessoas demorariam muito para aceitá-lo. Larzo geralmente estava tranquilo em esperar o tempo delas, mas… Aquele tratamento era uma das coisas que o fazia querer aceitar o convite de Razeru e ir para bem longe dali.
No fim, a experiência ruim no bazar foi rapidamente substituída pela tranquilidade de um dia bom. As maçãs, depois de devidamente lavadas, realmente fizeram seu milagre no humor do Irmão Humberto e Larzo passou a manhã o ajudando a copiar um tomo escrito por um presbítero de dois séculos atrás acerca dos pássaros da região de Calena.
Depois do almoço, tirou uma soneca e então foi para o próximo compromisso no seu cronograma de limpar latrinas: a latrina comunal das terras lavráveis. Chegando lá, porém, percebeu que os próprios camponeses já tinham limpado a latrina. Então Carlos, o chefe dos camponeses da Vila Amora, só pediu ajuda com o arado e com alguns encantamentos para aumentar a fertilidade da terra. Assim que Larzo terminou, Carlos o elogiou.
— Seus encantamentos estão cada vez melhores — ele disse — Você se tornará um presbítero e tanto no futuro.
Depois disse algo sobre Larzo ter mostrado muita dedicação em superar o passado e algo sobre ele se casar com sua filha. Larzo duvidava muito que Clara algum dia passaria a se interessar por ele, mas ficava feliz pelo reconhecimento de Carlos.
Não pôde evitar imaginar seu futuro ali na Vila Amora. Levaria algum tempo, mas as pessoas pensariam como Carlos. O próprio, no passado, tinha sido o maior crítico da adoção de Larzo por parte da Madre Celéstia. Agora estava lá o elogiando e insinuando um futuro casamento com sua filha. Caso algo do tipo acontecesse, Larzo não achava ruim. Óbvio que Carla não era bem a mulher dos seus sonhos, mas se parasse com aquelas atitudes infantis, talvez pudesse ser uma companheira decente. Como presbítero da Vila Amora, poderia ajudar as pessoas tanto quanto Madre Celéstia. Ele podia imaginar o futuro Padre Larzo, com encantamentos poderosos que aumentaria a fertilidade da região a ponto das pessoas nem sentirem mais o peso dos impostos devidos ao Governador Calena e ao Deus-imperador.
Aquela imaginação o deixou satisfeito. Por isso, ao pôr do sol, quando se encontrou com Razeru, pôde anunciar sua decisão:
— Não vou com você.
A declaração de Larzo não tinha sido uma surpresa para Razeru. Ele tinha visto o sorriso dela murchar ao perceber que Larzo não carregava nenhuma bagagem quando se encontraram. Mas a postura de Razeru também indicava que ela não aceitaria aquela resposta sem uma boa justificativa. Ela coçou os chifres, olhou para o céu e teve um suspiro longo. Larzo já viu aquele gesto algumas vezes ao longo dos anos, quando ela se via encurralada numa negociação difícil.
— Eu sei que sempre pedi para ir com você quando criança — Larzo resolveu explicar antes que ela falasse mais alugma coisa — Mas era coisa de criança e eu cresci, Razeru. Nem todos da vila gostam de mim, mas esta se tornou minha casa. Eu quero cuidar dessas pessoas. Quero estar com elas, nos bons e maus momentos. Por isso não posso sair daqui.
— Você quer proteger sua vila e eu quero te ajudar nisso, Larzo — Razeru respondeu — Mas vai ser difícil fazer isso ficando aqui.
— Por causa da profecia? — Larzo levantou a voz, — Eu não sei se a profecia é verdadeira, nem posso saber se ela fala de mim. Mas se o que você disse for verdade, ela já me tirou demais. Eu não conheci meus pais, mas eles provavelmente foram mortos porque alguém deve tê-los associado aos goblins hereges que foram expurgados.
— Eu… também acho que fo isso que aconteceu, Larzo. Eu realmente sinto muito por tudo o que você viveu.
— Não é o que eu vivi, Razeru. Eu já disse que posso lidar com as pessoas tendo os dois pés atrás comigo por causa do meu passado com aqueles bandidos. O que me dói é o que deixei de viver. Por causa de uma profecia de tempos antigos, o Deus-imperador provavelmente matou minha família. Eu não pude crescer com meus pais, não pude saber quem eles são. E agora, se eu também acreditar na profecia, vou deixar de viver com a família que me acolheu.
— Entendo — Razeru abaixou a cabeça.
Larzo percebeu que estava ofegante. Tinha acabado de deixar fluir pensamentos que estavam presos desde o dia anterior, sem que ele próprio tivesse consciência deles. Foi uma experiência cansativa, mas também lhe trazia um alívio estranho. Ele se sentia muito mais leve.
— Não vou te levar à força, Larzo.
— Obrigado por entender, Raze…
— Mas você vai me ouvir agora porque é importante — os olhos dela faiscavam de um jeito que Larzo nunca tinha visto antes — Não vai demorar para o império conectar Calena através de uma ferrovia.
Larzo tinha ouvido falar daquilo. Trilhos de ferro que substituiriam as estradas, possibilitando a passagem de um veículo colossal que não precisava de animais para puxá-lo, apenas vapor. Graças àquele veículo, o império anexou novas províncias muito adentro do continente, inacessíveis por navio. A coleta de impostos e o comércio se tornava cada vez mais eficiente.
— Isso vai vir com um preço — Razeru falou — Vocês vão precisar se especializar. A própria Província de Vunô se transformou numa corporação de mineração gigantesca. As pessoas mal tem tempo de cultivar sua própria comida, porque os impostos ao Governador só podem ser pagos em ferro agora. Para comer, precisam comprar cereais vindos da Província de Ager.
Aquelas notícias assustaram a Larzo. Nos burgos era comum que pessoas resolvessem se especializar em um tipo de ofício. No burgo ali perto, Morusburgo, existiam várias corporações de ofício. Eles vendiam seus produtos para as vilas camponesas ao redor e compravam o que era cultivado delas, o que gerava um fluxo de riquezas que talvez pudesse levá-los a mesma prosperidade das cidades, onde os governadores viviam. Era difícil, já que deviam impostos ao império, mas as pessoas ainda conseguiam viver bem apesar daquilo. Especializar regiões inteiras, forçar o comércio cruzado entre províncias… Aquele seria o fim do sonho. Como as corporações de ofício tornariam-se prósperas se, no final, seriam mestradas pelos governadores? Coordenadas diretamente pelo Deus-imperador?
— Se opor às novas regras é heresia — Razeru continuou — A liberdade será caçada enquanto alguém não se opor.
— Mas esse alguém não sou eu — Larzo retrucou — O que eu poderia fazer contra o Deus-imperador em pessoa?
— Margarete! Você reagiu a palavra ontem, não me perguntou o que significava. Você sabe de alguma coisa, não sabe, Larzo?
E aquilo ele não podia esconder. O diário vermelho que lera no escritório da Madre Celéstia. Ele citava essa palavra, margarete.
— Um livro herege — ele respondeu — Li essa palavra num livro herege.
— Era um diário de capa vermelha, escrito uma sacerdotisa que foi explorar um templo goblin no deserto, não foi?
Larzo se sobressaltou com a fala de Razeru.
— Também tive acesso a ele, anos atrás — ela sorriu — Foi perdido. Mas, como eu imaginei, o mesmo diário deu um jeito de te encontrar. Não é possível escapar do seu destino profético, Larzo.
Ele admitia que aquilo era assustador. Mas se Razeru tinha lido todo o diário…
— Então você sabe o que é margarete. Por que precisa de mim?
— Eu não sei o que é margarete, o diário não diz isso — ela respondeu — A sacerdotisa não conseguiu concluir sua pesquisa. O importante é saber que Nicolas Albigorn não é onipotente. Não foi a profecia quem te tirou todas essas coisas, foi ele. E eu sei que é você quem vai derrotá-lo.
Larzo deu alguns passos para trás. Podia ver a esperança nos olhos de Razeru, mas aquela não tinha sido a melhor de suas negociações.
— Não temos a mesma convicção — ele falou — Por favor, Razeru. Não insista mais nesse assunto comigo.
A esperança nos olhos dela deu lugar a decepção. Mas era melhor aquela decepção. Larzo não podia dar o que ela espera.
— Tudo bem — Razeru respondeu em um tom baixo — Mas… Se puder, leia o restante do diário.
Larzo assentiu. Aquilo ele faria.
— Vou continuar acreditando em você, Larzo — Razeru subiu em sua carroça outra vez, pronta para partir — Vou continuar te observando.
— Obrigado, Razeru — ele falou, se afastando da carroça — eu espero que você encontre o que está procurando.
— Eu já encontrei.
Então Razeru fez sinal para seus jumentos e partiu.
No fim do dia, Larzo estava satisfeito.
Quando voltou para a igreja, pensou imediatamente em passar no quarto de Evangeline para contar que ficaria por lá — e também para ouvir como tinha sido o dia dela com Tara.
Entretanto, assim que entrou na igreja, viu Madre Celéstia cercada por humanos com o uniforme da Polícia Imperial. Nas mãos deles estava o dispositivo de compilação que ele havia comprado de Razeru. Um deles, o que devia ser o líder, se virou na direção de Larzo e disse:
— Isso nos poupa de procurá-lo.
— O que está acontecendo? — perguntou Larzo.
— Estamos caçando hereges — outro respondeu, já indo na direção de Larzo— E acabamos de encontrar um.
Making-off
Depois do Chamado para a Aventura precisamos dar conta da parte da Recusa ao Chamado. Esse capítulo inteiro serviu a dois propósitos: (1) apresentar melhor o cenário da Vila Amora, o lugar que vai representar o “lar”, o “lugar a ser protegido” ou “o mundo comum” de Larzo durante toda a narrativa; (2) apresentar motivos tanto para Larzo ficar quanto para Larzo deixar a vila. Ele gosta de lá, mas as coisas não são perfeitas.
Com isso, o Elenco do Larzo acabou aumentando. Temos mais pessoas que aparecem no vilarejo, algumas bondosas com Larzo (Como Dona Griselda e sua família), outras malvadas (como Cardo e Carla), e outras num meio entre isso (como o pai de Cardo e Carla, Carlos, e como Hassan, o vendedor de frutas). Além disso, dei um par romântico para a Evangeline. A história dela não gira em torno do Larzo. É aquela filosofia de “cada personagem é protagonista de sua própria história”.
Quanto ao momento da recusa propriamente dita, não podia ser um simples “não vou”. Então tentei adicionar um pouco de drama na discussão entre Razeru e Larzo. Ela sabe que as coisas estão para mudar, senão não teria feito algo tão drástico como jogar esse caminhão de informações em cima do Larzo… Mas sabe dos riscos disso, então mesmo frustrada, teve que aceitar a recusa dele. Larzo não poderia segui-la à força. Mas fica o aviso, né? Ele não poderia escapar de seu destino…
E o final com o gancho, porque o destino pode agir mais rápido do que se espera (e não tem mais motivos para eu estender a apresentação inicial de Larzo e da Vila Amora).
Enfim… Semana que vem tem mais “A Lenda de Larzo”.
Reply