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#25 — Qual abordagem da psicologia deveríamos adotar?
Em que falo sobre o que tive de avanço em resolver meu grande problema com a psicologia e suas abordagens contraditóras, falo do meu hiperfoco videogamístico atual, e conto como foi minha comemoração da Consciência Negra aqui em Uberaba.
E depois de um tempo voltei com algumas coisas que venho estudando. Quero dizer que hoje falaremos de…
É muito comum associar psicologia a psiquiatria, numa ideia de ser um profissional especialista no tratamento de transtornos mentais. Quando vamos cursar psicologia, porém, notamos que existem mais diferenças entre psicólogos e psiquiatras do que apenas o fato de um ser médico que receita remédios e o outro não. Psicologia seria uma ciência, com diversas aplicações. Mas daí essa ciência está organizada em diversas teorias (as abordagens), e suas diversas aplicações também geram diversas percepções diferentes, a ponto de autoras como a Ana Mercês Bahia Bock (2021) dizerem que faz mais sentido falar em psicologias no plural (tanto que o título do livro é Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia). Perguntas como "qual é o objeto de estudo da Psicologia?" ou "quais são os métodos de estudo da Psicologia?" podem ter respostas variadas e, muitas vezes, antagônicas a depender da abordagem teórica de quem responde.
Uma vez, na faculdade de Psicologia, perguntei a uma professora quais critérios eu deveria levar em conta para escolher uma abordagem da psicologia. A resposta dela foi: "nós escolhemos por afinidade". Essa resposta foi muito verdadeira, mas também me deixou muito frustrado. Como confiar numa ciência cujos proponentes escolhem no que acreditar com base em afinidade? A realidade que nós estudamos se dobraria à nossa afinidade?
Quando eu estava no último ano da faculdade, acabei escolhendo ser analista do comportamento e ainda escrevi um texto intitulado Por que escolhi Behaviorismo Radical?, em que cito algumas discussões filosóficas e metodológicas da psicologia, meu posicionamento nessas discussões (até então) e como eles pareciam se alinhar com o Behaviorismo Radical. Hoje, depois de quase 5 anos de formado, minha visão amadureceu e meu problema com a psicologia se aprofundou.
Começando do início, acredito ser necessário ressaltar algumas complicações da psicologia:
Em primeiro lugar, é uma ciência jovem. Embora exista uma larga pré-história a psicologia, com fenômenos hoje classificados como psicológicos sendo investigados por diversos campos de conhecimento ao longo da história da humanidade, a constituição de uma Ciência Psicológica é muito recente na história da humanidade. Embora ainda existam discussões acerca disso, o marco inicial da psicologia enquanto ciência costuma ser identificado com a inauguração do Laboratório de Psicologia de Leipzig, por Wilhelm Wundt, em 1879. A intenção declarada de Wundt ao transformar a psicologia numa ciência experimental parece ter sido a de estudar a assim chamada experiência consciente, que é manifestada por cada indivíduo.
Para isso ser possível, foi necessário um zeitgeist que evocasse o interesse por questões individuais. Era necessário uma cultura individualista, uma noção de indivíduo. Como temos isso nos dias atuais, é comum imaginarmos que essa noção é inerente a toda a humanidade em toda nossa história. Margareth Thatcher, ex-Primeira Ministra do Reino Unido, chegou a afirmar uma vez que "Não existem sociedade! Existem indivíduos, homens e mulheres, e famílias (...)" quando defendia o fim de políticas públicas de seguridade social (Entrevista de Thatcher a Woman's Own). Acontece que a História e a Antropologia tem muitas evidências de que essa afirmação está errada e que, na verdade, essa noção de indivíduo e essa cultura individualista é um fenômeno muito recente na história da humanidade.
Breve história da noção de individualidade
Em seu texto O Múltiplo Surgimento da Psicologia, Arthur Arruda Leal Ferreira traça uma história da noção de individualidade. Já no início deste empreendimento, Arthur Ferreira destrói uma ilusão comum, a de que os gregos (considerados o berço da civilização ocidental) já teriam essa noção individual. Citando o historiador e antropólogo Jean-Pierre Vernant, o "eu" dos grego "se assemelha mais a um ele. (...) quando se fala da alma humana, especialmente nos círculos pitagóricos e platônicos, esta não é a alma de alguém, como aprendemos na tradição cristã, mas uma alma universal. Mais uma alma em mim do que a minha alma" (VERNANT, 1990 apud FERREIRA, 2005).
Essa noção de "interioridade individualizada" só teria surgido em forma bem embrionária a partir do século II d. C., gestada a partir do século II d. C., nos monastérios da Síria, Egito e aquela região. Segundo Michel Foucault (1984 apud FERREIRA, 2005, p. 16),
"surge a figura do homem santo que se destaca da comunidade a fim de buscar Deus no interior de seu verdadeiro eu, tendo para tal que estar atento às armadilhas do demônio (...) Esse modo de vida (...) irá se propagar ao longo de todo o tecido social progressivamente até a nossa modernidade no interior das práticas culturais, instituições, e hábitos individuais".
Mas esta gestação foi bem demorada. Só a partir da constituição dos Estados Modernos, lá para o século XIV, é que essa experiência individual começou a se propagar culturalmente. Surgiu a ideia de separação entre público e privado nas legislações de Estado, e surgiu a vida privada em diversos aspectos: envio de cartas, leitura de romances intimistas, turismo, ida aos pubs e cafés, etc.
No campo da filosofia, o cogito cartesiano ao separar o "eu pensante" do "eu corpóreo" também contribuiu com esse processo, trazendo agora a busca pelo conhecimento através da dicotomia entre corpo e espírito (ou mente). A partir de então, este tema vai aparecer nas discussões entre o Racionalismo e o Empirismo e também no movimento do Iluminismo.
Ainda assim, Arthur Ferreira aponta que nesse período (século XVI) a noção de individualidade ainda não era madura o suficiente para justificar o surgimento de uma ciência como a psicologia. Citando conceitos de Foucault, ele afirma que nesse período ainda tínhamos a noção de um indivíduo soberano regulado por rei, uma entidade autônoma, universal e livre, que seria a base das ideias de contrato social dos Estados Modernos. A partir do século XVIII, entretanto, após a Revolução Industrial, começamos a ter a noção de um indivíduo disciplinado, já que os Estados passariam a exercer controle sobre a vida das pessoas (o conceito foucaultiano de biopoder). Sendo assim, os indivíduos são objetos a serem descritos e classificados de acordo com certos determinantes.
Aí surgem demandas para a psicologia. Um exemplo é o surgimento de escolas, de onde vem o desejo de classificar as aptidões dos estudantes para separá-los por desempenho. Então Alfred Binet vai desenvolver a ideia de Quociente de Inteligência (Q. I.) e uma forma de avaliá-lo.
Nesse sentido, Arthur Ferreira (2005, p. 29) diz que:
"A psicologia se situa, assim, em um espaço político entre o indivíduo autônomo e soberano (fonte do poder) e o indivíduo sob controle das disciplinas (alvo dos poderes), realizando o trânsito entre estes. Poderíamos dizer que, sem esta ambigüidade moderna, não haveria nem mesmo a psicologia, pois, se só houvesse a individualidade autônoma, não haveria a suposição do indivíduo como objeto de conhecimento. Por outro lado, se só houvesse a determinação, cairíamos em um fatalismo em que toda intervenção psicológica seria desnecessária".
Ciência Humana, Ciência Natural, Ciência Social ou o quê?
Mas para além desta complicação, há outra que contribui com a imaturidade da psicologia: nunca houve um acordo sobre que tipo de ciência é a psicologia. Não que tenhamos que aceitar acriticamente as fronteiras entre uma ciência humana, natural ou social, mas é interessante ter-se o consenso de "o que estamos estudando e como estudamos?".
Thomas Hardy Leahey (2018), em seu livro A History of Psychology: From Antiquity to Modernity vai considerar que a psicologia estuda a mente e trazer esta discussão para "o que é a mente?". Há correntes da psicologia que vão considerar a mente como um fenômeno a ser descoberto (ou que já foi descoberto), e então se aproximariam de uma concepção de Ciência Natural. Psicologia estaria, então, mais próxima da Física, Química e Biologia, e de lá poderíamos extrair o melhor método.
Algumas correntes podem dizer que a mente é uma invenção, da mesma forma como inventamos um martelo. Então a Psicologia seria uma ciência aplicada por definição, como a Engenharia ou a Medicina. Leahey, na verdade, vai reduzir o escopo a ideia de que, sendo a mente inventada, a psicologia seria uma ciência do artificial, e faltaria ao objeto da psicologia (a mente) o caráter de universalidade que os objetos da ciência deveriam ter.
E, por fim, poderíamos considerar que a mente é uma construção social. Sendo assim, a psicologia seria uma ciência histórica, por definição.
Embora seja já um ponto de discordância de Leahey, que não considera História como ciência e, portanto não pode prosseguir com a ideia de uma ciência histórica, tudo tem me levado a crer que a mente é sim uma construção social. Sendo assim, acredito que a psicologia deva ser uma ciência histórica (embora não deva ser apenas histórica, subsumida à História).
Podemos ver o caráter histórico disso que chamamos de mente tanto no histórico da noção de individualidade quanto em uma consideração anedótica do próprio Leahey. Ele diz que psicólogos são cientistas que alteram o próprio objeto de estudo enquanto estudam. Um antropólogo não chega a uma comunidade que está sendo estudada e diz "seu deus não existe", mas um psicólogo faz essencialmente isso quando postula alguma teoria da mente. Ao dizer que "a mente funciona assim", psicólogos podem acabar contribuindo para alterações culturais no mesmo sentido de suas teorias (Leahey chama isso de "reflexividade nas ciências", e a psicologia não é exclusiva nesse processo).
E, considerando tudo isso, estou para fazer outra afirmação que pode parecer paradoxal. Mas embora a mente (ou fenômenos psicológicos) sejam construções sociais e embora o estudo científico dela seja recente, ela existe na humanidade desde muito cedo na história. Claro que, como Leahey (2018) aponta ao falar da hipótese de a mente ser uma construção social, a mente ocidental pode ter variações significativas da mente de outras culturas, pois o percurso de construção social para cada uma teve suas diferenças. Mas ainda podemos pensar nos fatores que levam a essas variações e termos, a partir disso, conceitos universalizáveis.
Acredito ser interessante analisar achados de outras ciências sobre nossa condição de ser social e talvez, a partir disso, definir algum critério para começar a avaliar criticamente as abordagens teóricas da psicologia.
Breve história da humanidade enquanto ser social
Em sua palestra Introdução ao Método de Marx (dividida em parte 1 e parte 2), realizada na Universidade de Brasília em 2016, José Paulo Netto traz o conceito lukácsiano de três níveis ontológicos para entendermos os seres que existem.
Seguindo a explicação de Netto, teríamos primeiramente o ser inorgânico. Pedra, água, poeira cósmica, elementos químicos isolados, tudo isso faz parte da natureza inorgânica. Não são entes simples, são complexos. Tão complexos que existem muitas ciências naturais dedicadas a estudá-los: química, física, astronomia, etc.
Entretanto, a partir da natureza inorgânica, surgiu um novo tipo de ser: o ser orgânico. Ele possui todas as propriedades essenciais dos seres inorgânicos (e tudo o que as ciências já citadas encontraram sobre seres inorgânicos necessariamente se aplicam a seres orgânicos), mas vem com uma nova condição que não existia nos primeiros: seres orgânicos possuem vida. E a vida traz um mundo novo de propriedades complexas, trabalho para a biologia investigar. A natureza orgânica (plantas, animais, fungos, bactérias, protozoários, etc) é muitas vezes mais complexa que a natureza inorgânica. E é importante ressaltar que ela não está para fora da natureza inorgânica, mas traz um nível superior de complexidade.
Dentro da natureza orgânica, então, surgimos nós, seres humanos. E, em determinado momento de nossa história, desenvolvemos a sociedade. Através da vida social, adquirimos propriedades que transcendem o nível de ser orgânico. Assim nos tornamos seres sociais. Não deixamos de possuir nossas propriedades orgânicas ou inorgânicas, mas adquirimos propriedades sociais. Podemos ter instintos como outros animais têm, mas nosso comportamento passa por mediação de aspectos culturais que nós mesmos, enquanto humanidade, inventamos.
Não consigo dizer com precisão em que momento nossa espécie, Homo sapiens sapiens, deixou de ser orgânica para ser social. Entretanto, esse processo (que foi lento e levou milhares de anos) parece ter acontecido muito cedo (e é possível também que nossa espécie não tenha sido a única a se tornar ser social, mesmo que seja a única sobrevivente).
Em seus vídeos para o youtube "Evolução dos HOMINÍDEOS" (com parte 1 e parte 2), o biólogo e divulgador científico Pirulla mostra que as ferramentas de pedra lascada foram inventadas pela primeira vez pela espécie Kenyanthropus platyops, uma espécie de australopitecos, entre 3,6 a 2,6 milhões anos atrás (marcando o início do Período Paleolítico da nossa pré-história). Essa prática de desenvolvimento tecnológico já foi transmitida, de alguma forma, para outros indivíduos da espécie e de outras espécies que foram surgindo, como é o caso do Homo habilis, cujo fóssil mais antigo é de 2,3 milhões de anos (que eram tão conhecidos por usar ferramentas de pedra lascada que, até 2015, acreditava-se que eles é quem tinham as desenvolvido primeiro). Entre 1,8 e 1,5 milhões de anos atrás o Homo erectus ergaster aprendeu a usar fogo para, por exemplo, cozinhar comida. Eles também desenvolveram ferramentas de pedra lascada melhores que se espalharam muito. A machadinha foi desenvolvida pelo Homo erectus heidelbergensis, entre 800 e 600 mil anos atrás. A lança, usada em práticas de caça, foi desenvolvida provavelmente pelo Homo sapiens neanderthalensis entre 400 e 330 mil anos atrás. E isso tudo foi antes do surgimento do Homo sapiens sapiens, nossa espécie. Mas mesmo depois que nossa espécie surgiu, temos evidências de que talvez nem tivéssemos sido os primeiros a construir barcos. É provável que isso tenha acontecido primeiro com a espécie Homo erectus denisovan.
A primeira pintura rupestre foi datada de 65 mil anos atrás na Espanha, num período em que não havia Homo sapiens sapiens na Europa. Provavelmente foi por conta de Homo sapeins neanderthalensis. Mas as primeiras pinturas rupestes de Homo sapiens sapiens foi há 52 mil anos atrás, na Oceania. Na Europa, há evidências de contato e colaboração entre Homo sapiens sapiens e Homo sapiens neanderthalensis, pela etnia conhecida como cro-magnon.
Enfim, já dá para pensarmos que nessa época existia algum tipo de língua (mesmo que rudimentar) e cultura. Os humanos já possuíam existência social, e acredito ser seguro dizer que muitos dos fenômenos psicológicos estudados hoje pela psicologia já existiam ali. A Revolução Agrícola do Período Neolítico, quando os humanos começaram a criar assentamentos sedentários, marco para o início do que chamamos de civilizações, aconteceu 8.000 anos antes da Era Comum.
É claro que, graças às neurociências, sabemos que existe sim uma determinação biológica desses processos ditos psicológicos, como a memória. Em Fundamentos da Neuropsicologia, Alexander Romanovich Luria (psicólogo e neurologista soviético considerado o pai da neuropsicologia) explica como o hipocampo atua no processo do chamado Reflexo de Orientação. Quando ouvimos um barulho novo, por exemplo, por reflexo viramos nosso rosto para a direção deste barulho. É como um susto. Mas através da atuação do hipocampo nesse sistema, podemos ter uma habituação de estímulos. Quando ouvirmos o mesmo barulho pela segunda vez, o hipocampo vai nos ajudar a lembrar desse barulho e não ativar o reflexo de orientação. Esse funcionamento cerebral parece ser comum a toda a nossa espécie, herdada geneticamente desde o primeiro Homo sapiens sapiens considerado "Humano moderno moderno", o ancestral comum a todos os seres humanos vivos hoje. Então é uma determinação biológica, pertencente a nossa natureza orgânica, e que deve sim ser considerada pela psicologia.
Entretanto, isso não explica tudo o que envolve nossa memória. E pessoas com lesões ou neuropatologias que afetam o hipocampo não necessariamente são desmemoriadas. No mesmo livro, Luria articula a Teoria dos Sistemas Funcionais, desenvolvida principalmente pelo fisiologista soviético Pyotr Kuzmich Anokhin (se lê Pióter Kuzmitch Anorrín). Segundo essa teoria, apoiada por inúmeras evidências empíricas e clínicas, uma mesma função pode ser realizada por inúmeras combinações de partes do cérebro. Então nenhuma função, como fala ou memória, está localizada em apenas uma porção de nosso cérebro, com a ideia de "tal parte é o centro da fala". É como se cada função cerebral fosse uma música e cada parte do cérebro fosse um membro de uma banda, então elas precisam se juntar para cantar a música. Mas uma mesma música pode ter uma guitarra, uma bateria, e um contrabaixo ou pode ter um violão, um cajon e um saxofone.
Outra coisa interessante é que uma lesão cerebral na infância tem um efeito diferente no organismo do que a mesma lesão cerebral acontecida na fase adulta (claro que isso depende de qual sistema funcional estamos falando e de qual função estamos falando). Tomando como exemplo uma lesão nas zonas corticais inferiores (parte mais "de trás" do cérebro), se isso ocorre na infância pode prejudicar o desenvolvimento da fala. A mesma lesão, na fase adulta, pode não gerar nenhum prejuízo na fala, entretanto. Tomando agora uma lesão nas zonas corticais superiores (parte mais "da frente" do cérebro) que faz parte da "banda" da fala, exercendo também papel importante nesse sistema funcional, acontece o contrário. Na infância a lesão não afeta em nada no desenvolvimento da fala. Ao longo desse desenvolvimento, outros instrumentos das zonas corticais superiores vão ser incluídos neste sistema funcional. Agora a mesma lesão quando ocorre na fase adulta causa prejuízos na fala, como uma afasia. Então na infância, as zonas inferiores exercem papel dominante no sistema, enquanto na fase adulta são as zonas superiores quem exercem este papel. (E há tratamentos de reabilitação neuropsicológica para quase todas essas lesões).
Isso combina com os achados de Lev Semionovitch Vigotski sobre o desenvolvimento da criança nas suas Sete Aulas de L. S. Vigotski sobre os Fundamentos da Pedologia. Segundo ele,
"quanto mais longo o caminho do desenvolvimento de alguma função (...), menor a influência hereditária. (...) Quanto mais curto o caminho de desenvolvimento de alguma função, mais diretamente se manifesta determinada influência da hereditariedade."
Quando se reduz a influência da hereditariedade (filogenética, determinação biológica) no desenvolvimento, resta mais espaço para a influência do meio.
E o meio, o ambiente vivenciado, não é determinado apenas por influências individuais (uma ontogenética), mas também socioculturais. Ao analisar o desenvolvimento da fala, Vigotski percebeu que nenhuma criança precisa criar sua própria língua. Sem um ambiente falante, provavelmente as crianças desenvolveriam uma língua muito rudimentar. Mas através do processo histórico de evolução sociocultural da humanidade, línguas complexas foram criadas. Uma criança que cresce entre falantes de português, falará português fluentemente, e outra que cresce entre falantes de russo, falará russo fluentemente. Isso só pode acontecer por causa da nossa condição de ser social. Isso significa que
"o homem é um ser social e, fora da relação com a sociedade, jamais desenvolveria as qualidades, as características que são resultado do desenvolvimento metódico de toda a humanidade"
Conclusão: um critério para avaliar psicologias
Talvez, como aponta Arthur Leal, a psicologia, essa ciência jovem e cheia de controvérsias, realmente só pudesse surgir como surgiu: dentro de uma sociedade individualista, com muito interesse em experiências individuais. Mas, paradoxalmente (ou talvez não), nossos fenômenos psicológicos têm gênese social. Nesse sentido, a psicologia é uma ciência humana, uma ciência social, e precisa interagir com as ciências humanas e sociais. Caso contrário, não será possível compreender nenhum objeto de estudo apontado como "fenômeno psicológico" (experiência consciente, inconsciente, transtornos mentais, comportamento, ou, simplesmente, a mente humana). Se uma abordagem teórica da psicologia se nega a análise de dados provenientes de ciências sociais, deve ser questionada. Mesmo que possua achados interessantes em investigações empíricas, tenho certeza de que suas interpretações desses achados está defasada e, portanto, errada.
No dilema de Leahey eu poderia dizer que sim, a mente é uma construção social. Então sim, uma teoria válida da psicologia, até onde consigo perceber hoje, é uma ciência histórica. Qualquer teoria a-histórica da psicologia deve ser questionada. Mesmo que possua achados interessantes em investigações empíricas, tenho certeza de que suas interpretações desses achados está defasada e, portanto, errada.
Entretanto, o ser social é um nível ontológico que emerge do ser orgânico. Claro que a psicologia não pode e não precisa tentar se subordinar absolutamente à biologia, mas precisa compreender que um fenômeno psicológico tem uma base de determinação biológica também. Portanto, nesse sentido, a psicologia também é uma ciência natural e precisa lidar com os dados provenientes das ciências naturais. Se uma abordagem da psicologia se nega a isso, deve ser questionada. Mesmo que possua achados interessantes em investigações empíricas, tenho certeza de que suas interpretações desses achados está defasada e, portanto, errada.
Por isso, a psicologia não é uma ciência de um único método. Ela é uma ciência de fronteira, que vai usar métodos da ciência histórica, das ciências sociais e das ciências naturais.
Referências de Livros (o que não tiver em link lá em cima)
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi (Orgs.) Psicologias: Uma Introdução Ao Estudo De Psicologia (aluno). [s.l.]: Editora Saraiva, 2021.
FERREIRA, A. A. O múltiplo surgimento da Psicologia In: VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A.; PORTUGAL, F. (Orgs.) História da Psicologia: Rumos e Percursos. Editora Nau, Rio de Janeiro, 2005
LEAHEY, Thomas Hardy. A history of psychology: from antiquity to modernity. Eighth edition. New York London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2018.
LURIA, A. R. Fundamentos Da Neuropsicologia. [s.l.]: Ltc, 1996.
VIGOTSKI, L. S. Sete aulas de L.S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. [s.l.]: E-Papers,
Meus estudos no Notion. Sim, tudo isso de hoje foi baseado nos estudos do Notion. Como eu vinha mostrando a evolução da minha constelação de notas, lá vai mais outra atualização.

Hiperfoco em Baldur’s Gate. Já há algumas semanas, Vanessa e eu começamos a jogar juntos Baldur’s Gate 3, um game baseado em Dungeons and Dragons no cenário de Forgotten Realms. Na nossa campanha em dupla, eu criei um feiticeiro draconato chamado Shang Long e ela criou uma anã não binária que se chama Tana Iury chwuann (sim, tem o chwuann).
Atualmente, estamos no Ato 2 do jogo, tentando dispersar a maldissombra. Mas nas últimas semanas entramos numa pira que, se nos soltássemos, jogaríamos todo dia o dia inteiro. Acho que neste feriado o hiperfoco acabou, vamos voltar a jogar como pessoas normais. Mas tava complicado.
O pior é que o hiperfoco em RPG com muita liberdade da Vanessa não se baseou em Baldurs’s Gate 3. Na verdade, o hiperfoco principal dela foi Wurm Online, um MMORPG que, como meu irmão mais novo diz, você tem que trabalhar mais do que trabalha na vida real.
No caso de BG3, sendo um Dungeons and Dragons, é fácil entender o apelo. Muita coisa pra explorar, uma história interessante, você pode sair na mão com muitos inimigos (Vanessa ama essa parte) num combate tático e estratégico. Isso é bem divertido mesmo. Agora, no caso de Wurm, eu penso que é porque o trabalho lá é recompensador. Na vida real, não é possível escolher viver uma vida ao estilo do it yourself. Você precisa comprar coisas, é compulsório. Mesmo coisas básicas para a sobrevivência, que não deveriam ser mercadoria, são mercadoria (comida, casa, ou terreno para plantar comida ou construir casas, os materiais necessários… Tudo precisa ser comprado). Então se a gente não tem dinheiro é bem frustrante. Em Wurm além de ser necessário apenas treino, prática e esforço para consturir suas coisas, você tem uma comunidade jogadora bem acolhedora que te ajuda em vez de deixar tudo na mediação do mercado. É uma fuga legal da parte ruim do nosso mundo.
Dia da Consciência Negra em Uberaba. Vou falar a verdade. No dia 20 de Novembro mesmo, a gente jogou Baldur’s Gate 3 o dia inteiro. Mas o que quero contar aconteceu no dia 19 de Novembro à noite, assim que eu saí do serviço. (porque sim, galera, a era de precisar ser influencer e sentir saudade do iPhone acabou, o poder da reclamação na newsletter #2 — Saudades de ser um socialista de iPhone... afetou o tecido do cosmos e agora sou concursado).
A prefeitura de Uberaba organizou um evento de Consciência Negra (e natal, mas eu ignorei total essa parte, ainda estamos em Novembro!) numa praça perto duma estátua de Zumbi dos Palmares. Na programação constava uma apresentação de capoeira, uma apresentação de Natal de um coral de crianças duma escola estadual (eu ignorei muito essa parte quando vi o anúncio), e uma Feira Negra com atrações artísticas e econômicas.
A prefeitura tinha organizado já uns eventos legais: inauguração de iluminação de várias praças, um festival artístico (que teve patrocínio da Quatree e ficou conhecido como “o festival dos cachorros”) e etc. Então botei expectativa.
Outra coisa que me fez botar expectativa foi notar que a quantidade de evangélicos por aqui é menor que Teófilo Otoni (MG) ou Parauapebas (PA). Infelizmente, o público evangélico tende a ser muito violento com manifestações de outras religiões, especialmente as de matriz africana que já são apropriadas como coisa do Satanás. Aqui tem muitos católicos (que também costumam ser preconceituosos com a matriz africana, mas atualmente tem menos ativismo contra) e espíritas kardecistas (Chico Xavier morou aqui até o final da vida). Mas aí tenho visto muita gente falar com muita naturalidade de frequentar terreiros de candomblé e umbanda, o que me fez pensar: “talvez aqui seja menos marginalizado”.
Resumindo: eu achei que ia ter uma presença negra mais robusta nesse festival e achei mesmo que a Feira Negra teria mais arte independente negra.
Achei errado.
Foi um festival com pouquíssima presença da população e, pela forma como organizaram a estrutura do evento, não estavam esperando nem a ínfima quantidade que foi. Sério, impossível assistir a apresentação de capoeira porque tinha gente demais na frente e nenhum telão, tablado, palco, nada. (Ressaltando de novo: em comparação com outros eventos em praças e com a capacidade real do local, foi pouca gente ali, hein). E, falando em população negra, não tinha muita gente nem na praça assistindo e nem na Feira Negra.
Pareceu um dia da consciência negra pra branco ver. (E a maioria de quem tava ali eram pais das crianças da escola que fez a apresentação de natal, eles queriam ver os filhos).
Parece que, no dia 20 pela manhã, o grupo de capoeira que se apresentou nesse festival participou de outro evento que parece ter sido mais organizado, mais legal, e mais negro. Mas a gente não tinha visto divulgação da programação do dia 20 e quando vimos os stories no instagram, já tínhamos gastado nossa manhã inteira jogando Baldur’s Gate 2.
Mas bem, Vanessa e eu acabamos decidindo sair da praça no meio da apresentação das crianças e ir para um barzinho pedir suco e alguma porção (eu tava com vontade de comer bolinho de arroz). Fomos pesquisar e acabamos no Cu do Padre.

Os bolinhos de arroz estavam muito gostosos, o suco de limão com hortelã também, e nós nos divertimos. Sobre o nome da chopperia… Vou deixar para contar outro dia.
Por hoje é isso. Até a próxima (que não sei mais se será semana que vem).
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