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Uma história de magia
Onde eu libero uma ideia que surgiu por aqui.
Bom, eu disse que deixaria algo para essa segunda-feira. Esse é um experimento de uma história que se passa numa academia de magia. Bem, é só o rascunho do primeiro capítulo, mas outro dia falo mais sobre ele. Por enquanto, conheçam Leonardo Victores Xalvita de Drova.
Leonardo já estava empapado de suor enquanto assistia, ao longe, uma pequena multidão de pessoas ao redor da garota que criava e moldava fogo ao seu bel prazer, com movimentos graciosos e controlados. E, ao contrário de Leonardo, ela não estava nem um pouco suada. Nem parecia estar se esforçando para controlar todo aquela mana. — Aquela garota é impressionante, não é? — um homem falou, se sentando ao lado de Leonardo — Com aquele talento, poderia até se tornar uma maga da república. Leonardo olhou para o lado e confirmou que não conhecia o homem. Ele era alto, tinha pele branca, cabelos pretos grisalhos, e usava óculos sob seus olhos castanhos. Devia ter vindo de outra cidade. Drova não era tão grande para que tivesse alguém que Leonardo nunca tivesse visto. — Ela vai — Leonardo respondeu, mantendo o queixo erguido — O nome dela é Nyx Francieles Thalassa. A gente se formou na mesma turma de ensino médio. — Francieles Thalassa, tipo Hemera Francieles Thalassa de Drova? — o estranho se sobressaltou. — É, essa é a irmã mais velha da Nyx. O estranho assobiou em resposta. — Família complicada a delas, né? Mas parece que essa Nyx tá no mesmo caminho que a Hemera. Aposto que vai se tornar elite dos Magos da República igualzinho a irmã. Apesar de serem thalassas, acho que o velho Charles Xalvita aqui ia gostar de ver isso. Então apontou para a estátua atrás dos dois. Era de um homem ladeado por dois clones idênticos a ele. Na placa lia-se: “Charles Xalvita, mago ilusionista, guerreiro da FULN e fundador dos Magos da República”. Aquela estátua era o orgulho da pequena cidade de Drova, tanto é que aquela praça se chamava Praça Charles Xalvita. — Ele ia gostar sim — Leonardo respondeu com um sorriso — A luta dele não era para expulsar o povo thalassa daqui, era pra transformar esse lugar num lar para todas as pessoas. Além disso, minha mãe diz que o sonho do bisavô Charles era mostrar para o mundo que a magia é algo lindo a ser apreciado, não temido. E o estranho se sobressaltou pela segunda vez, mas agora focando o olhar em Leonardo, e não em Nyx e seu pequeno séquito de admiradores. — Bisavô Charles… Pera aí, você não seria o filho da Doutora Victoria, seria? Leonardo sorriu para o estranho. Se tinha algo para se orgulhar, este algo era sua família. — Então o senhor conhece minha mãe. — A primeira médica do mundo a conseguir fazer um transplante de rins bem sucedido — o homem pareceu ficar animado — Sua mãe é uma heroína da medicina. Imagina só, graças a ela o mundo todo precisa reconhecer os méritos de uma maga. — Esse é o maior orgulho dela. — E você, garoto? Já escolheu qual carreira seguir? Vai ser médico como sua mãe, ou talvez historiador como seu tio? Seu pai também tem uma carreira legal, né? Acho que ele é professor. — Ele é professor de literatura aqui na Universidade de Drova — Leonardo confirmou. — Isso. Elevar a arte luminoviana é importante para que sejamos o farol que dissipa as trevas do mundo. Mas e quanto a você? Estava treinando algum esporte aqui na praça? — Na verdade não — Leonardo se levantou e juntou suas coisas na mochila — Eu estava treinando minha magia. — Então você também é um mago, isso é bem legal. Pretende cursar medicina como sua mãe? — Não — Leonardo sorriu, pondo a mochila nas costas e olhando para a estátua — Serei um mago da república como o bisavô Charles.
Leonardo estava encarando o quadro de classificação da Academia Solstício de Ferro. Tinha chegado há três dias em Valarion. Não era a primeira vez que ele tinha pegado o trem para a capital do país, mas para alguém que cresceu em uma cidade pequena e rural como Drova, Valarion era sempre uma visão impressionante. A própria Estação Central, onde Leonardo e Nyx desembarcaram, já era muito impressionante. O trem tinha entrada por um túnel subterrâneo abaixo da estação. A iluminação era por eletricidade, mantendo uma atmosfera amarelada enquanto trabalhadores da estação ajudavam gentilmente os passageiros com suas bagagens e dando orientações para seus destinos. Subindo as escadas, podiam ver um mar de pessoas indo e vindo. Informações sobre chegadas e saídas dos trens eram ouvidos por toda a estação através de um sistema de auto-falantes e o cheiro de comida do restaurante preenchia a estação. Leonardo, na ocasião, não teve a oportunidade de provar o ensopado de macarrão com frango de lá, porque o ônibus que os levaria para o Hotel dos Magos já estava de partida, mas prometeu que voltaria ali assim que obtivesse a liberação após as provas. O Hotel dos Magos também era um lugar impressionante. Antigamente, era a mansão do governador thalassa da província de Ythelia, mas agora servia como alojamento temporário para magos da república que passavam pela cidade de Valarion. Da janela do ônibus, Leonardo pôde ver o amplo jardim branco com arbustos e espelhos d’água e, logo em seguida, a construção principal. Era como uma casa colonial, com aqueles telhados pontiagudos, mas a Mansão dos Magos tinha tantas alas anexas que mais lhe parecia um daqueles castelos das histórias — principalmente por conta das torres de vento que se elevavam entre as telhas da construção principal. Por dentro, a mansão se dividia entre cem quartos e um banheiro grande para cada dois quartos. As refeições eram feitas num espaço comunal com muitas mesas e cadeiras. E era lá o lugar que a Academia Solstício de Ferro escolheu para abrigar os quinhentos aspirantes a magos da república que estavam ali para o exame de admissão. O quarto de Leonardo dava vista para os prédios da academia. Jorge, um dos candidatos que acabou hospedado no mesmo quarto que Leonardo e Nyx, disse que ficar daquele lado da mansão era sinal de boa sorte. Mas agora, de pé no salão de recepção da academia e vendo o quadro dos nomes dos aprovados para a prova teórica, Leonardo não sabia se era tanta sorte assim. Dos cinco candidatos que se hospedaram em seu quarto, apenas Nyx e ele tinham passado na prova teórica. Pelo menos Leonardo poderia se gabar de ter sido um dos melhores. De todos os candidatos, sua nota tinha sido a terceira melhor, perdendo apenas para uma pessoa chamada Ximena, que tinha a segunda melhor nota, e Nyx, que fizera a melhor nota e nem tinha ido lá olhar o quadro de classificação. Nyx era sempre muito soberba, não tinha jeito. Com certeza já tinha ido solicitar a correção detalhada da prova sem mesmo verificar se tinha sido aprovada. De qualquer forma, ela não teria nenhuma surpresa por lá. — Com licença — alguém tocou de leve o braço de Leonardo — É você o terceiro lugar, não é? A pessoa que o abordou era uma garota de pele branca, alta e gorda, com rosto redondo e cabelos pretos e lisos que iam até a altura de seus ombros e faziam uma franja completa em sua testa. — Sou sim — Leonardo sorriu — Como sabia? A garota então apontou para o crachá pendurado pelo pescoço de Leonardo. Ele estava tão absorto que tinha até se esquecido de que todos os candidatos só podiam circular dentro da academia com os crachás de identificação. Só então se lembrou de verificar o crachá da garota a sua frente também. Ximena Pietres Ytheliana de Valarion, Maga de Cura. — Ah, você é a Ximena! — Leonardo estendeu a mão para cumprimentá-la — Parabéns pelo segundo lugar. — Obrigada — ela apertou a mão de Leonardo, aceitando o cumprimento — Mas não é lá grande coisa. Você sabe que a prova teórica é só eliminatória, né? As classificações oficiais vão ser após a prova prática de amanhã e confirmadas só após os exames médicos e a entrevista com o Conselho dos Magos. — Bem, não deixa de ser impressionante. Mesmo que os magos da república sejam uma força de atuação prática, é importante saber teoria da magia, conhecimentos gerais e história de Luminova. — Concordo — ela pareceu se animar enquanto falava com um grande sorriso — Inclusive, eu amo história de Luminova e reparei no seu nome. Você é um xalvita de Drova, mago ilusionista e… Por acaso seria o bisneto do Charles Xalvita que resolveu fazer o exame esse ano? — Sou eu mesmo — Leonardo confirmou, com orgulho. O rosto de Ximena se enrubeceu enquanto ela abria um sorriso ainda mais empolgado. — Eu não acredito que você tá indo entrar na mesma leva que eu! — ela disse, quase dando pulinhos no lugar — Se importa de eu te acompanhar até a secretaria pra gente pegar as correções? Nossa, tem tanta coisa que eu quero te perguntar. Eu tava muito empolgada pra te conhecer desde que meu pai chegou de Drova e disse que você tentaria ser um mago da república. Você é o primeiro da sua família desde seu bisavô a entrar na Academia Solstício de Ferro! — Calma — Leonardo riu, mas já aceitando a companhia de Ximena até a secretaria — Eu só passei na prova teórica e, como você disse, ainda existem outras etapas decisivas. E então ele ligou os pontos do que ela tinha dito. — Espera aí, você disse que seu pai chegou de Drova. Ele é um cara um pouco menor que você, cabelo grisalho e óculos? Acho que médico. — É, ele sim. E ele não é só médico, ele é o Coordenador de Magia de Cura da academia. E, dessa vez, foi Leonardo quem ficou surpreso. Então aquele dia, quando estava treinando na praça lá em Drova, ele tivera a oportunidade de falar com um dos coordenadores de magia da Academia Solstício de Ferro! — É, todo mundo faz essa cara quando descobre a posição do meu pai — Ximena riu — Você deve entender, sendo bisneto do próprio Charles Xalvita, o fundador dos Magos da República. — Na verdade o pessoal lá em Drova já acostumou com essa informação. Minha família está lá desde sempre e, antes de mim, nenhum parente meu se tornou mago da república. Então ninguém acha estranho ou surpreendente, só normal mesmo. — As coisas são diferentes aqui em Valarion. Todo mundo tem uma grande expectativa de que um dia eu me torne coordenadora de magia assim como meu pai. — E você quer essa carreira? — Claro! — Ximena sorriu — Ser uma maga da república é uma grande honra, mas coordenar a formação de novos magos é a função mais nobre que alguém poderia exercer nessa carreira. Tenho muito orgulho do meu pai e gostaria de poder seguir seus passos. — É, eu entendo. Também quero seguir os passos do meu bisavô. Então chegou a vez de Leonardo na fila, recebendo a correção detalhada na secretaria. Como o esperado, tinha gabaritado a prova de Teoria da Magia e também tinha ido bem nas provas de História da República e a maioria das matérias de conhecimentos gerais. Seu menor desempenho tinha sido, na verdade, na legislação específica dos magos da república. Ximena, por outro lado, tinha gabaritado tanto História da República quanto a parte de legislação, sendo seu menor desempenho em Teoria da Magia. — Bem… Se passarmos na prova prática de amanhã, vamos ter a oportunidade de melhorar esses pontos durante o curso — ela disse, após compararem as correções de suas provas — Tenho certeza de que vou conseguir. Pretendo usar a Sutura Instantânea para a demonstração. E você? — Vou usar Clones de Charles — Leonardo falou — Não está perfeita, mas o estágio de evolução está satisfatório. Ximena ficou sem palavras. Clones de Charles, a magia de ilusão que apenas Charles Xalvita conseguira performar, era praticamente uma lenda entre os magos de Luminova. Nem mesmo Zenit, a reitora da Academia Solstício de Ferro, tinha conseguido executá-la. Mas faria sentido que o segredo fosse passado pela família. Só restava a ela esperar para ver, esperar para descobrir o porquê de aquela família que ficara tanto tempo sem se envolver com a defesa do país ter decidido voltar agora. — Mal posso esperar para te ver em ação, Leonardo.
Os exames práticos eram divididos por tipo de magia. Como o exame de magia de cura aconteceria ao mesmo tempo que o de magia de ilusão, não tinha como Leonardo acompanhar o exame de Ximena. Entretanto, segundo o cronograma que recebera, tinha tempo de sobra para acompanhar Nyx no exame de magia elemental. — Não é porque a gente veio do mesmo buraco e fizemos aquele combinado que você precisa ficar na minha cola o tempo todo — Nyx falou enquanto andava a passos apertados nos corredores do pátio externo da academia. Leonardo se esforçava para acompanhá-la, ao mesmo temop em que tentava ajeitar os próprios cachos que insistiam em cair sobre seus olhos usando uma bandana vermelha com listras amarelas, sua favorita. Vendo aquilo, Nyx suspirou fundo, se deteve, e foi até Leonardo, tomando a bandana das mãos dele e a ajeitando em sues cabelos do jeito correto. — Se o seu plano era me seguir por aí, podia pelo menos ter acordado mais cedo e se arrumado antes de sair — ela tinha o cenho franzido enquanto falava, mas isso não surpreendia Leonardo. Nyx estava sempre de cenho franzido, sem sorrir — Você tá me atrasando, imbecil. — O Ginásio B fica logo ali e ainda tem 15 minutos até o início dos exames. Você devia relaxar. Nyx crispou os lábios e deu as costas para LEonardo, continuando sua marcha apressada. Ela tinha acordado muito cedo naquele dia. Quando Leonardo abriu os olhos de manhã, Nyx estava terminando de escovar os dentes. Para aquele dia, ela tinha escolhido amarrar seus longos dreadlocks para trás, como um rabo de cavalo, e usava uma blusa sem mangas, revelando as tatuagens que cobriam seu braço esquerdo até o pescoço, próximo a orelha. Mais do que nunca, Nyx estava assustadora. Leonardo não se surpreenderia se os examinadores a aprovassem sem que ela precisasse demonstrar seu poder. De todos os tipos de magia, a magia elemental é a mais agressiva. Magos que nascem com afinidade elemental são capazes de operar transformações na mana presente na natureza inorgânica. As formas mais comuns de magia elemental eram controle de fogo, controle de água em seus três estados, controle de gases, controle de sólidos rochosos e controle de luz. Uma explosão de magia elemental poderia significar incêndios, enchentes, tufões, terremotos, desabamentos e demais desastres naturais violentos. De todos os magos, os elementais são os que mais precisam de controle refinado do fluxo de mana. Há quem diga que a histórica perseguição a magos teria sido inicialmente motivado pelo medo que pessoas comuns nutriam pelos magos elementais. Por isso Leonardo sabia que não havia magos mais formidáveis para servir como Magos da República de Luminova. E Nyx era a segunda melhor maga elemental que ele já vira. — Qual das suas magias você vai usar na demonstração? — Leonardo perguntou, ainda seguindo Nyx — Armadura de Fogo? Trovão? Lança de Gelo? Nyx não respondeu, continuando seus passos rápidos. — Acho que seu forte é o poder mágico. Não são muitos os magos que conseguem lidar com a quantidade de mana que você controla sem ter uma explosão de magia. Seu Incêndio das Trevas seria uma ótima pedida, sabe? Até imagino os… — Orbe de Água — Nyx enfim respondeu — Vou mostrar a eles o que querem ver, e se você não fosse tão tapado, faria o mesmo pra gente cumprir nosso combinado. Foi a vez de Leonardo suspirar. Ela era tão irredutível quando colocava uma coisa na cabeça! — Como eu já te disse várias vezes, no ensaio da reitora Zenit ela explica a necessidade de superação dos antigos pressupostos da teoria básica da magia de ilusão e AH! — Leonardo gritou no meio da frase ao sentir o choque percorrer seu corpo de cima a baixo. Assim que olhou para Nyx outra vez, conseguiu ver a ponta do dedo indicador dela apontado para ele. — Não tô nem aí pra isso, manezão. Uma pequena curvatura surgia nos lábios dela. Talvez com treino, aquela curvatura algum dia se tornaria um sorriso. O problema era o motivo daquilo. — Você usou Trovão em mim? — Uma versão microscópica que não deve nem ter feito cosquinha — ela respondeu, voltando-se na direção do ginásio — Deixa de ser bebê chorão. E Leonardo não conseguiu responder, pois ela já tinha alcançado os portões do Ginásio B e entrado. Quando ele entrou também, percebeu que não poderia acompanhá-la. Um dos inspetores já estava verificando a identificação de Nyx e a encaminhando par aa área de exames. Para Leonardo, restou encontrar algum lugar na arquibancada para assistir. No centro do ginásio, cerca de cinquenta candidatos aguardava seu momento para demonstrar o que eram capazes de fazer para a Conselheira de Magia Elemental. O nome dela era Isolda Marianes Ytheliana de Ravion, uma mulher de pele escura, olhos castanhos, e longos cabelos lisos platinados. Quando pesquisara sobre os coordenadores nos almanaques, Leonardo leu que ela tinha sido a líder da equipe de magos da república que tinha desviado o Furacão Alaor da sua rota, evitando que a região povoada de Thurra fosse arrasada. Para aquele exame, Isolda estava acompanhada de dois outros magos, provavelmente professores. Um homem alto de pele clara e cabelos negros, longos e lisos, e uma mulher gorda com cabelos loiros cacheados. Os três se sentavam em mesas montadas em um palanque. Todos os candidatos deveriam se levantar, subir até lá, e demonstrar sua magia para ser avaliada pela banca de professores. Mais tarde, naquele mesmo ginásio, Leonardo estaria entre os candidatos para demonstrar sua magia de ilusão. Ele mal conseguia lidar com as próprias expectativas. Aguardava aquele momento desde o início do ensino médio, quando decidira se tornar um mago da república como seu bisavô. Leonardo se perguntava se a reitora Zenit acompanharia os exames práticos da magia de ilusão. Até dois anos atrás, ela era a Coordenadora da Magia de Ilusão e não era surpresa ter ascendido ao cargo de reitora da Academia Solstício de Ferro. Zenit Vanesses Ytheliana de Valarion era a maior maga ilusionista viva em Luminova. Seu ensaio questionando a Teoria das Ilusões Perceptivas tinha sido o que motivara Leonardo a tentar recriar a magia única de seu bisavô: Clones de Charles. A Teoria das Ilusões Perceptivas era a explicação mais aceita para a magia de ilusão. Segundo ela, magos ilusionistas interagem com a mana presente no organismo de outras pessoas, como os magos de cura, afetando porém só os sistemas sensoriais. Podem criar apenas imitações falsas dos sentidos de alguém. Mas se Zenit estivesse certa, e Leonardo acreditava que sim, na verdade a magia de ilusão consistia em… — Nyx Francieles Thalassa de Drova — o anúncio do nome dela fez Leonardo sair de seus devaneios. Nem tinha notado que os exames já começaram e não tinha sequer prestado atenção nos dez primeiros candidatos. O resto da plateia na arquibancada, que agora estava bem cheia, também ficou em silêncio. Todos ali queriam saber o que a irmã mais nova de Hemera Francieles poderia fazer. A motivação de Leonardo para prestar atenção naquele momento era diferente: ele queria ver a cara dos examinadores quando Nyx demonstrasse sua magia. Eles tinham combinado que mostrariam a Valarion o poder de Drova, e o cumprimento daquele combinado estava prestes a começar. De frente para a coordenadora Isolda e os outros professores, Nyx movimentou seus braços como se desenhasse um círculo no ar. Então surgiu uma esfera perfeita de água, flutuando sem nenhuma oscilação. Orbe de Água, em execução perfeita. Aquilo garantiria a aprovação de Nyx. Era uma magia elemental simples, segura, e fácil de para demonstar o controle refinado do fluxo de mana — a característica mais importante para magos elementais. Mesmo sem ter prestado atenção nos candidatos anteriores, Leonardo tinha certeza de que todos, ou pelo menos a maioria, tinha demonstrado o Orbe de Água. Mas Nyx não tinha acabado. Com alguns movimentos dos seus dedos, fez o orbe de água se congelar. Depois virou, instantaneamente, vapor d’água condensado no mesmo formato esférico perfeito. Então metade do orbe se manteve vapor enquanto a outra metade se transformou em gelo. Depois a metade que se manteve vapor se transformou em água líquida. Então dividiu a esfera em três, cada uma em um estado: sólido, líquido e gasoso. Aquilo sim fez Leonardo vibrar — não que Nyx pudesse notar, já que todo o estágio a estava aplaudindo de pé enquanto ela dispersava a magia. Não era todo dia que alguém demonstrava tantas variações na mesma magia, sem oscilações e sem sofrimento. A coordenadora Isolda pegou seu megafone e pediu que a plateia se aquietasse. Não era comum reagir tão enfaticamente a uma avaliação prática de magia. Nyx tinha sido tão incrível que fizera todos se esquecerem do protocolo. Leonardo mal podia esperar para sua vez de fazer aquilo.
Leonardo não conseguiu falar com Nyx ao fim dos exames de magia elemental. Assim que acabaram, ela saiu acompanhada por Isolda — o que não era comum, mas Nyx tinha feito algo totalmente fora do comum. De qualquer forma, Leonardo não teve tempo de esperá-la. Os inspetores já tinham começado a organizar o Ginásio B para o exame prático de magia de ilusão e os candidatos já tinham sido convocados para o meio da quadra. A Reitora Zenit não estava presente e, embora Leonardo tivesse ficado um pouco desapontado com aquilo, sabia que não deveria se surpreender. Como reitora da Academia Solsício de Ferro, ela com certeza tinha muitos outros compromissos. O avaliador principal daquela manhã era um homem de pele bege, cabelos lisos pretos e um bigode grosso. Leonardo logo o reconheceu do almanaque como sendo o novo Coordenador de Magia de Ilusão, Vincet Solanges Thalassa de Rava. Sua recente nomeação como coordenador de magia da Academia Solstício de Ferro tinha sido alvo de polêmica. Embora tivesse sido pupilo da própria Zenit e tivesse uma carreira impecável como mago da república, não tinha nenhuma experiência como docente. Aquele exame também parecia diferente. Em vez de terem mais dois professores para avaliar, tinha apenas Vincet. — Maria Eduarda Nices Zolthariana de Etris — o coordenador Vincet chamou. A garota que estava sentada ao lado de Leonardo se levantou. Ela era bem alta, mais alta do que Leonardo imaginara. Quando ele tinha se sentado ali e ela, uma garota de pele clara, cabelos ondulados cor-de-mel e sorriso fofo elogiou sua bandana. Agora que ela se levantou, viu que a garota fofa era uns vinte centímetros mais alta. Fazia sentido, ela sendo uma zolthariana. Leonardo esperava que ela se desse bem no exame. Maria Eduarda parecia ser gente boa. Enquanto ela se preparava, ele olhou para a plateia. Em comparação com o exame de magia elemental, ela estava muito vazia. Só uns gatos pingados aqui e ali. Mas Leonardo viu Nyx no meio deles, sentada para assistir. — Então, Maria — o coordenador Vincet falou — Pode fazer sua demonstração. Maria Eduarda então apontou com o dedo indicador direito para o teto do ginásio e disse: — Mundo Onírico. Num piscar de olhos, a realidade se dissolveu. Era como se a paisagem fosse uma tela pintada, com a tinta derretendo e se misturando a outro balde que foi jogado sobre ela de qualquer jeito. A cadeira em que Leonardo estava sentado se afundava num poço do que parecia ser caramelo derretido. Ele não estava mais no Ginásio B. Estava num mundo colorido e psicodélico com rios de suco de laranja, gêisers de chocolate e zebras aladas voando pelo céu cor-de-rosa. Era louco e lindo. Aquela Maria Eduarda era uma artista. — Obrigado, Maria — o coordenador Vincet falou e o Mundo Onírico se dissipou. AS pessoas na plateia pareciam tão desorientadas quanto os candidatos no centro da quadra. Leonardo sabia que Maria Eduarda passaria. Uma magia que afetava os cinco sentidos com uma área de efeito tão ampla era tudo o que esperavam de magos ilusionistas. O sorriso de Maria Eduarda, porém, não era mais tão fofo ao retornar a seu lugar. Era triunfante. — Boa sorte, xalvita de Drova — ela falou para Leonardo, num tom que o deixou confuso. Antes de poder perguntar o que ela queria dizer, entretanto, ele ouviu seu nome: — Leonardo Victores Xalvita de Drova. Enquanto Leonardo se levantava para ser avaliado, o burburinho cresceu em todo o ginásio. Ninguém queria duas experiências imersivas e psicodélicas como o Mundo Onírico em tão pouco tempo. Era realmente incômodo e desorientador ter todos os seus sentidos alterados daquele jeito. Por isso todos estavam ansiosos. Esperavam que Leonardo, vindo da família que vinha, tendo sido o terceiro colocado geral na prova escrita, fosse um oponente adequado para Maria Eduarda. Esperavam que ele lançasse um Mundo Onírico mais intenso ou alguma magia similar. Leonardo então olhou para Nyx e a percebeu revirar os olhos. Típico. Ela não concordava com sua estratégia, mas Leonardo não se importava. Ele não estava ali para entregar o que as pessoas esperavam de magos ilusionistas. Estava ali para desafiar isso. — Pode fazer sua demonstração, Leonardo — o coordenador autorizou. Então ele fez os gestos que vinha treinando há anos: movia as mãos como se estivesse em uma olaria moldando um jarro de argila. Abrindo os olhos, proferiu então as palavras: — Clones de Charles. Em seguida, do seu lado, surgiu seu clone. Bem, pelo menos era de se inferir que aquela coisa estranha fosse o clone de Leonardo. Leonardo era um rapaz de tamanho médio, mas ainda considerado meio baixinho, na verdade. Tinha 1,68m de altura, o que era comum entre xalvitas, mas o fazia parecer um anão perto de um zorvathano. Ele estava um pouco gordinho, então tinha braços e pernas grossas. Seus cabelos cacheados estavam quase sempre arrumados com o auxílio de uma bandana para levantar o volume. Seus olhos eram castanhos e sua pele marrom escura, mas num tom vivo. O “clone” de Leonardo até tinha seus traços, os cabelos cacheados e a bandana. Porém sua pele parecia a de uma pessoa albina que, ainda por cima, estava com icterícia. Os braços e pernas eram finas, mas faltava-lhe o braço direito. O ombro ainda parecia sólido, mas o resto ia ficando translúcido, então transparente, e então desaparecia, como se a magia estivesse incompleta. Os olhos eram amarelados, e a altura também estava errada: aquela coisa devia ter uns dez centímetros a mais que Leonardo. Podia até ser uma ilusão, mas não tinha nenhum uso prático. Vincet já vira crianças que fizeram melhor. — Com todo o respeito, Leonardo, essa demonstração tá um lixo — o coordenador Vincet falou, franco — O velho Charles Xalvita deve estar se revirando no túmulo com essa tentativa tosca de reproduzir sua magia. Faça um favor a todos nós e dissipe a magia. Leonardo, entretanto, não prestou atenção. Estava focado em fazer seu “clone” levantar uma cadeira, mas o máximo que conseguia era empurrá-la um pouco. — Não tenho tempo para isso — Vincet se levantou e apontou um dedo para Leonardo — Trovão Ilusório. E Leonardo, por um segundo, sentiu como se um raio tivesse caído na sua cabeça o queimando de dentro para fora. Aquilo foi o suficiente para fazê-lo perder a concentração e dissipar a magia, mas fora a taquicardia do susto, não estava fisicamente afetado. — Pode voltar ao seu assento, Leonardo — Vincet se sentou outra vez, coçando o bigode — Até o final do dia poderá conferir o resultado do seu exame. Leonardo assentiu e voltou para o seu lugar. Assim que chegou lá, notou o sorriso condenscendente no rosto de Maria Eduarda e o burburinho com risadas entre os demais candidatos. Então olhou para a plateia. Nyx continuava séria, mesmo com outras pessoas ao redor rindo baixinho. Leonardo sabia que ela tinha visto. O clone tinha movido um pouco a cadeira. Ali, na prova prática, não havia espaço para argumentar, mas Leonardo ainda teria a apresentação dos exames médicos e a entrevista com o Conselho dos Magos. Na frente da reitora Zenit, ele teria sua chance.
Já era a terceira vez que Leonardo passava pela triagem para a enfermeira aferir sua pressão arterial. Era difícil para ele evitar a ansiedade enquanto aguardava pela entrevista final para a admissão na Academia Solstício de Ferro, onde eram formados os Magos da República. — Tudo bem — a enfermeira, que era uma maga curandeira chamada Helena, disse entre algumas risadinas — Sua pressão ainda tá um pouco alta, mas dá pra passar. Sem histórico de hipertensão na família, com registros médicos muito bons, a administração vai entender que é só a ansiedade mesmo. — Abençoado seja nosso sangue! — Leonardo suspirou aliviado — Eu usei todas as técnicas de relaxamento que conheço, juro pra você. Helena riu enquanto assinava o atestado de saúde ocupacional de Leonardo, logo antes de lhe entregar os papéis. — Agora é só entregar para a secretária da sala no final do corredor e aguardar seu nome ser chamado para a entrevista. — Certo! Obrigado. — Não há de quê. Boa sorte. Assim que chegou na sala indicada por Helena, Leonardo viu Nyx sentada com uma pasta de papéis no colo. Ela lançou um olhar para Leonardo e, em seguida, outro olhar para o assento vazio ao seu lado. Assim que Leonardo se sentou, ela abriu a pasta de documentos. Eram os documentos de matrícula e, em cima deles, tinha o broche dos cadetes da Academia Solstício de Ferro: um sol prateado com raios em formato de setas. Nyx tinha conseguido. Tinha sido admitida. — Meus parabéns — Leonardo sorriu para ela — Eu sabia que você conseguiria. — Todos nós sabíamos — Nyx recolheu suas coisas — A questão é com você. Que merda foi aquela no exame prático? O coração de Leonardo ainda não tinha se acalmado, mas mesmo assim conseguiu soltar uma risada sincera com a pergunta da Nyx. — Qual é a graça, seu palerma? A gente tinha combinado de entrar nessa academia juntos, lembra? — Nós vamos — Leonardo falou — Depois da entrevista, com certeza vão me aceitar. Você viu ontem. Ainda faltam ajustes no controle de mana, mas… Nyx suspirou, o que fez Leonardo parar de falar. — Apesar de você ser estúpido, ingênuo, bobo, um verdadeiro idiota… — Agora ela resolveu me insultar em lista. — Eu acredito em você, Leonardo. Ninguém lá em Drova acredita, até porque é realmente difícil dar algum crédito pra um palerma tão otário quanto você. — Já entendi, Nyx. — Mas eu acredito que você seja capaz de superar seu avô. Leonardo sorriu. Apesar daquele jeito fechado de Nyx, ela era sua melhor amiga por um motivo. De sua turma do ensino médio, apenas os dois eram magos e, curiosamente, os dois viviam na sombra de suas famílias. Embora ninguém da sua família fosse um Mago da República, todos tinham alguma qualidade excepcional. Leonardo não. Ele era uma pessoa comum, comum demais. Nyx, por sua vez, vivia ouvindo sobre os grandes feitos de sua irmã mais velha, Hemera. A parceria foi inevitável. — Obrigado. — Acreditar nisso não significa nada, Leonardo — ela suspirou outra vez — Faz alguma magia de ilusão básica do jeito que eles querem durante a entrevista, tá? Leonardo estava prestes a explicar para Nyx que aquilo provavelmente diminuiria ainda mais suas chances quando seu nome foi chamado para a entrevista. — Vai dar tudo certo — ele disse para ela, se levantando e indo para a sala da reitoria. — Vê se não ferra com tudo.
Assim que entrou na sala, se deparou com o Conselho dos Magos: no centro, estava a reitora Zenit e, ao redor dela, os coordenadores de cada tipo de magia: Laura, da Magia Espacial; Geraldo, o pai de Ximena, coordenador da Magia de Cura; Isolda, da Magia Elemental; Renata, da Magia Artífice; e Vincet, da Magia de Ilusão. E todos eles queriam saber o porquê de ele querer ser um Mago da República. — Seu histórico escolar é impressionante e sua nota da prova teórica seria o suficiente para figurar entre os melhores alunos da Academia — disse a reitora Zenit Vanesses, ao final da entrevista — Suas habilidades de combate corpo-a-corpo são razoáveis, mas suas habilidades de magia estão muito aquém do que esperamos. Reconheço seus motivos para retomar os passos do seu bisavô, mas o senhor já considerou o alistamento na infantaria regular? Leonardo já tinha ouvido aquela pergunta várias e várias vezes em seu tempo de escola e era um choque ouvi-la da própria reitora. Zenit Vanesses Ytheliana de Valarion era neta de Astrid do Cogumelo, uma poderosa maga de ilusão ytheliana que foi líder da FULN — a Frente Unida de Libertação Nacional, que tinha expulsado os colonizadores thalassa e fundado a República Socialista de Luminova. Para se tornar reitora da Academia Solstício de Ferro, Leonardo imaginava que Zenit seria tão habilidosa quanto sua avó. — Os Magos da República não são apenas um apoio importante às forças de defesa de Luminova — ele começou — são também um símbolo antissegregacionista. A sombra da discriminação contra magos que alimentou a Thalassa Magnusista no passado ainda assola muitos países, e Luminova é um farol que extirpa essa sombra. Eu quero fazer parte deste farol, assim como meu bisavô o fez. Isolda, a coordenadora de Magia Elemental, começou a bater palmas ao final da fala de Leonardo. Aquilo lhe arrancou um sorriso. Não tinha preparado o discurso para impressionar, aquilo era o que ele genuinamente sentia. Ele sempre soube que seu esforço e seus sentimentos reais seriam recompensados. Em poucos segundos, sairia dali com o broche dos cadetes dos Magos da República, ele sentia! — Infelizmente, você terá de fazer parte deste farol como um cidadão comum — a reitora Zenit falou — Está dispensado, senhor Leonardo. Leonardo estacou. Achava que estava indo bem até aquele ponto da entrevista, mas daí foi dispensado? Aquilo nem parecia real, deveria ser… Era mais um teste. Afinal, ele estava falando com Zenit Vanesses Ytheliana de Valarion. Aquela dispensa era uma ilusão. Zenit deveria saber que não faria sentido avaliar Leonardo apenas com testes baseados na Teoria das Ilusões Perceptivas. Não importava a quantidade de poder mágico ou se o controle de mana de Leonardo era tão absurdo a ponto de direcionar os sentidos. Clones de Charles, a magia de seu bisavô, era seu objetivo e Leonardo tinha dado tudo de si para reproduzir aquela magia. Não estava nem perto de conseguir, mas também não tinha chegado ali sem resultado algum. Por isso ele executou sua magia outra vez: — Clones de Charles. O resultado foi o mesmo clone mequetrefe do exame prático. — Creio que o senhor não tenha entendido — a reitora consertou os óculos na cara e voltou a falar, com uma voz que soava cansada — O senhor foi dispensado, significa que foi reprovado no nosso processo seletivo. Isso não foi um convite para tentar refazer a prova prática de magia. — E mesmo se fosse, a demonstração continua um lixo — Vincet, que até então esteve calado assim como os outros cordenadores de magia, falou — Eu realmente não entendo qual é a sua sanha por passar vergonha. Leonardo ignorou os comentários. Ele era um mago ilusionista, não deveria se deixar levar. — A realidade existe para além das nossas percepções imediatas — Leonardo disse, citando o ensaio de Zenit que constestava a Teoria das Ilusões Perceptivas — a Magia de Ilusão não é o que parece. Os melhores magos do passado eram capazes de ultrapassar os limites da aparência ao mesmo tempo em que não se prendiam ao que imaginavam ser a essência da magia, com isso, eram capazes de performá-la tal como ela é. Os olhos azuis de Zenit, que até então estavam tranquilos com um aspecto quase entediado, agora faiscavam. — Se acha que vai conseguir alguma coisa com essa bajulação barata, julgou errado. Para ser um Mago da República não basta simpatizar com a minha posição acadêmica. Luminova precisa de ações concretas. E aquilo era o que Leonardo estava para mostrar. Sorrindo, fez o que não lhe foi permitido durante a prova prática. Com um comando, o clone imperfeito andou na direção da mesa do Conselho dos Magos. Assim como todas as ilusões visuais, ele atravessou a mesa. Mas o que surpreendeu a todos foi o que a ilusão fez com sua mão esquerda. — Ele pegou minha caneta? — Isolda perguntou, espantada. Para tentar garantir que aquilo na mão da coisa que agora se projetava da mesa não era outra ilusão, ela pegou a caneta de volta e passou testou em seu caderno de anotações. Funcionou. Aquela era sua caneta de verdade. Vendo isso, Leonardo dispersou a magia. A caneta continuou nas mãos de Isolda. — O princípio da Magia de Ilusão não é tão diferente da Magia Elemental. Não se trata de enganar os sentidos, se trata de transformação de mana em matéria que possa ser percebida. Magia de Ilusão é, na verdade Magia de Criação… Ou Transformação, mas falei Criação porque é o nome que está no ensaio da senhora — Leonardo continuou falando — No momento em que a senhora considerou os resultados de um teste baseado em uma teoria que a senhora mesmo admite ser idealista, eu soube que o teste ainda não havia acabado. Uma nova geração de magos ilusionistas precisa estar disposta a superar os limites impostos pela tradição colonial que ainda resta em nossa sociedade. Por isso disseram que eu reprovei, não é? Para que eu tivesse a oportunidade de mostrar que não vou me acomodar com os limites atuais. Zenit permaneceu boquiaberta, pasma com o que havia acabado de acontecer. Vincet, por outro lado, não demorou a reagir com uma sonora gargalhada. — Leonardo, você é o garoto mais estúpido que eu já vi desde que comecei a trabalhar na Academia — ele continuou rindo até lacrimejar, o que deixou Leonardo confuso. O que estava acontecendo? — Não era nenhum teste extra para ver se a nova geração de magos vai superar limites. A gente tinha te dispensado de verdade. — Mas ele demonstrou certa genialidade agora — Geraldo, o coordenador da Magia de Cura, respondeu, lançando um olhar ferino para Vincet — A ilusão dele ganhou materialidade na ponta dos dedos da mão. É o mais próximo que qualquer um de nós já viu da reprodução correta da magia Clones de Charles, além de ser a primeira evidência concreta para a hipótese da senhora reitora Zenit. — Além do mais — Isolda falou, fascinada com a caneta em suas mãos que tinha sido tocada pela magia de Leonardo — o propósito dessa entrevista é nos dar a chance de ver algo que passou desapercebido nas demais etapas de seleção. Eu vi o suficiente para mudar meu voto. Por mim, ele está aprovado. — Também o aprovo — Geraldo falou. Em seguida os demais membros do conselho manifestaram suas decisões. Renata, da Magia Artífice, não o aprovava. Segundo ela, faria mais sentido que Leonardo se dedicasse a pesquisa acadêmica acerca de magia, não havia tanto espaço para tanta experimentação nos Magos da República. Laura, da Magia Espacial, concordava com Renata. Zenit abdicou do voto, dizendo que seu envolvimento pessoal com as capacidades que Leonardo acabara de demonstrar a impediam de tomar uma decisão clara. Com isso, a decisão final dependia do voto de Vincet. — Rapaz — ele começou, ainda com um sorriso no rosto — Eu gostaria de te dizer que, pessoalmente, acredito nas mesmas coisas que você e a reitora. Mas falei sério quando disse que tínhamos realmente te dispensado, e acredito que Renata tenha um ponto. A pesquisa acadêmica é um apoio para a formação dos Magos da República, mas não nosso objetivo. Aqui estamos atuando na defesa da nação e isso é muito maior do que nossos anseios individuais. Você entende isso, não é? Leonardo murchou. Tinha nutrido esperanças de que poderia entrar para a Academia Solstício de Ferro com aquela demonstração, mas agora Vincet havia lhe mostrado como fora inocente. As coisas nem sempre acontecem só porque se sonha com algo. A transformação da realidade em algo que se quer passa também pela aceitação daquilo que não se quer, mas que é real. — Por isso você vai ter que ralar muito nas aulas — Vincet continuou falando — Pode gastar seu tempo livre desenvolvendo melhor suas ideias acerca dos Clones de Charles, mas ainda precisa dominar a Magia de Ilusão convencional para se formar como um Mago Ilusionista da República. Eu acredito na nova geração de magos, então vou me encarregar de treiná-lo. Voto que seja aceito. — Muito obrigado pela chance! — Leonardo disse, se voltando para agradecer a cada membro do Conselho de Magos, mesmo as coordenadoras que votaram pela sua exclusão. Estava tão feliz que nem conseguia formular pensamentos acerca daquilo. A expressão da reitora Zenit se suavizou no mesmo momento, olhando para Vincet como se ele fosse uma criança travessa. Então ela se virou para Leonardo, levantando uma mão para que ele fizesse silêncio para escutá-la: — Mesmo com a decisão do conselho, não posso mudar suas notas. Isso significa que você será aprovado como o aluno de menor Coeficiente de Desempenho da Academia. — Compreendo — Leonardo respondeu, ainda sorrindo e sem compreender de verdade. — Trabalhamos com exames semestrais durante os quatro anos de curso — a reitora falou — Na sua posição, reprovar no primeiro exame significa desligamento do programa de formação. Caso isso aconteça, você será realocado para um curso de formação disponível na Universidade de Drova ou em um posto de trabalho de baixa qualificação da sua região natal, conforme a demanda regional e as suas preferências já registradas no Ministério de Trabalho. Entendido? — Entendido. — Agora está realmente dispensado, cadete. Sem mais surpresas para hoje, por favor. Leonardo agradeceu mais uma vez e saiu da sala, pegando a documentação de matrícula com a secretária. Finalmente entraria para a Academia Solstício de Ferro e mal podia esperar para mostrar seu broche de cadete para Nyx.
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